Prof. Venâncio
Falar de escravidão em pleno século XXI pressupõe uma retrospecção sobre a escravatura. No Brasil, tal tema nos remete imprescindivelmente à colonização do século XVI, que, a partir das estruturas, criadas pela coroa portuguesa, ou mesmo, propriamente pelo processo mercantilista, a escravidão ganhou um caráter soberano, injusto, sobre a liberdade do homem.
Neste trabalho, o sentido de escravidão não fará nenhuma referência a essa ideia de escravo, apresentado, embora, de maneira sucinta, no parágrafo a cima.
Pois, então, trazemos para esse dialogo, sobre a natureza da escravidão, o filósofo Aristóteles (384 ac – 322 a.c), como afirma Tosi (2003) um dos primeiros a expor a legitimidade da escravidão.
Uma das distinções elaboradas pelo filósofo Aristóteles, foi sobre a própria natureza de escravo e a escravidão. Do qual ele se refere a todos os que não pertencem a si-próprios, que não tem finalidades próprias, servindo-os aos propósitos alheios. Esse sujeito, portanto, encontra-se como “instrumento” às finalidades dos outros.
Será feito aqui apenas um esboço sobre o aspecto natural de escravidão por Aristóteles, apenas apresentaremos o conceito de escravidão de forma sucinta e elencada por este filósofo.
Para isso precisaríamos retomar uma sociedade antiga, aquela que no período em que viveu Aristóteles, buscava sua organização politica. Estamos falando de Atenas. Atenas na qual vivia Aristóteles, jamais pode ser comparada por qualquer outra época a não ser a mesma, em razão as formações estruturais que estavam sendo desenvolvidas entre os séculos IV e V a.c..
No início do século essa cidade se destacava no seu desenvolvimento intelectual, diferentemente de outras cidades da Grécia, ex. Esparta que é a segunda cidade-estado mais importante daquela região, muito embora ela exercesse as melhores técnicas de combate da cidade, a escravidão pelos espartanos era totalmente diferente do que Aristóteles trazia à Grécia. É necessário deixar aqui o registro de quê não estamos fazendo nenhuma defesa ou propriamente uma critica ao filósofo Aristóteles, nem propriamente sobre o que ele achava da significação do termo escravo. Apenas estamos tomando por base a sua interpretação e, através da mesma elencar os princípios que ele desenvolveu sobre o tema na Grécia: o berço da democracia, da politica e da filosofia.
Osignificado verdadeiro que teria o termo “escravo”, sobre a interpretação aristotélica, é a escravidão por natureza. Quando ele (Aristóteles) afirma isso (o escravo é escravo por natureza), acreditamos que o mesmo quer dizer que não se cria o escravo, ou seja, ele nasceu escravo. Já o escravo não real, aquele que não nasceu na polís, seria aquele que forçosamente foi imposto à escravidão, isto segundo a interpretação aristotélica. Por tanto, todo aquele que foi posto a escravidão, contra a sua vontade não faz sentido algum ao termo escravo desenvolvido por Aristóteles.
Parece até contraditório o termo que foi utilizado no final do parágrafo acima (contra a sua vontade...), como alguém teria vontade de se tornar escravo? Por isso, que ao início do trabalho, fizemos questão de chamar a atenção do leitor, para que não tente pensar o que Aristóteles acreditava ser escravo por natureza, comparando-a com o significado de escravidão nos dias atuais.
Para Aristóteles e, ao seu contexto histórico-cultural, o escravo seria aquele que por natureza, nasceu com essa destinação. O homem escravo seria aquele que não participava das decisões da pólis, por não haver nesse individuo uma escolha de não querer fazer presente dessas decisões. Já de antemão poderemos pensar que o próprio escravo reconhecia naturalmente que o seu labor era servir.
Como também existe o escravo por natureza, há aquele do outro lado que por natureza é um ser livre. Perceba que com essa relação entre homem livre e não livre, Aristóteles nos dá a impressão, que na escravidão real, aquele que nasceu livre, jamais poderá torna-se a ser escravo, por tanto, para esse pensador, uma forma de escravidão imposta, seria não digna de valores aos gregos. O homem livre é aquele capaz de raciocinar efetivamente nas decisões da polis, como uma plenitude politica. E através de suas participações, unificar o ideal da cidade.
Juntos à formação do povo grego, também foram constituídos a escravidão, diríamos que essa formação ainda não fazia parte da teoria de Aristóteles, pois essa escravidão, denominada arcaica, era derivada do grande aumento dos desmembramentos de terras dos povos génos[1], como explica Brugnera (1998):
Com o passar do tempo, os membros dos génos começaram a separar parcelas de terras e a convertê-las em propriedade familiar privada, estabelecendo uma diferenciação social a partir da posse da terra. Da comunidade começou a destacar-se a aristocracia de nascimento, cujo poder baseava-se na propriedade da terra. A desagregação do sistema gentilício provocou o aparecimento dos tetas[2], membros da comunidade que perderam seus lotes de terra e passaram a trabalhar para os aristocratas. Ao mesmo tempo, começaram a aparecer os primeiros escravos, em números reduzidos. Tratava-se da escravidão doméstica ou patriarcal, onde o escravo trabalhava ao lado de seu proprietário, auxiliando-o nas tarefas.
Em seguida com a criação do modelo cidade-estado, a escravidão passara a ser exercida de outra maneira. Durante todo o desenvolvimento que abarca o pensamento ético e politico da pólis, a religião se inclinaria como meio de justificação da escravidão, nesses períodos iniciais da Grécia. Um dos fatores dinâmicos e essenciais para essa desenvoltura, toma por base a legitimidade sociocultural, desempenhado nas conclusões vigentes de não perder politicamente a sua segurança, principalmente, em manter o modelo político de Atenas.
Os deuses gregos tinham a sua participação na formação da pólis (BRUGNERA, 1998, p. 18), eram a eles confiado a escolha do território para o nascimento de um povoado. Essa atitude era assistida por todos atenienses como algo bastante sagrado e, aqueles que se encontrava “fora dos muros”, nesse caso os estrangeiros, não seriam dignos de estabelecer nenhum tipo de aliança com esses deuses.
Fora dos limites físicos da pólis, vamos encontrar os bárbaros, para os quais não existe a possibilidade do télos. E, na estrutura da pólis, teremos os escravos, os artesãos, comerciantes, enfim, todos os que exercem alguma atividade poiética, para satisfazer as necessidades básicas, o que não lhe permite a concretização da plenitude humana (BRUGNERA, 1998, p. 75).
A pólis jamais poderia ser pensada fora de uma realidade suprema, por ela ter sido instituída de forma natural. O homem ao nascer fica vigilante de toda estruturação da cidade. Pois é pela racionalização que se deve manter a construção organizacional urbana, e, para isso, se faz ser necessário à disposição de cada individuo. A liberdade neste caso teria outro papel: a de quê só os homens livres, poderiam exercer a função política na pólis.
Ser livre não seria ao contrário de escravidão, de forma que, o homem nasceria livre. Ser livre jamais poderá ser compreendido como uma “conversão”, de alguém que, por natureza é livre e, contra a natureza real da escravidão, tornou-a-ser escravo. Para os gregos a liberdade era ficar disponibilizado só aos fazeres políticos da cidade. Qualquer outra tarefa, fora dessa natureza de liberdade, deveria ser executada por aquele não cidadão ateniense.
(...) os gregos identificavam a liberdade como uma existência ordenada no seio da comunidade que se rege por um código estabelecido e respeitado por todos. Ela significava, por tanto, o privilégio de participar dos empreendimentos da cidade e deve ser entendida partindo do principio de que a pólis era algo a que todos estavam destinados (BRUGNERA, 1998, p. 22).
A cidade, como os deuses, são permanentes e diferentes dos indivíduos, que são passageiros. Essa teoria tem o seu papel importante nessa estruturação de cidade-estado, encontramos não só um sentido de valor, mas de uma sacralidade-religiosa na formação da pólis. Muito embora essa estrutura mantenha-se por base na formação constitucional dos deuses, a pólis deve ser todas agregadas de indivíduos, e, nessa confederação, subdividir os papeis de valores de cada um de seus membros. O escravo na visão aristotélica, não poderia fazer parte da cúpula estatal, acreditando serem esses, não dignos de pensar como os homens livres atenienses.
A justificativa que o filósofo Aristóteles dava a escravidão era tomada por base ao despótico politico de Atenas, abordado apenas a todos aqueles que por natureza é capaz de governar. Então, todo “cidadão” que não fizesse parte desses “governantes-ateniense”, eram escravos por natureza.
Aristóteles não apenas admitia a sua justificativa a escravidão, para esse filósofo, os governantes deveriam ser, dotados de aptidões espirituais, por isso que, aqueles que não possuíam esses dotes intelectuais, eram considerados escravos. A esses eram reservados os trabalhos simples, com a justificativa de não exercer a cidadania.
REFEÊNCIA:
BRUGNERA, Nedilson Lauro. A escravidão em Aristóteles. Porto Alegre: EDIPUCRS, Editora GRIFOS, 1998.
NICUIA, Eurico Jorge. O papel do escravo em Aristóteles e Hegel. (Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação de Filosofia, Pontifíca Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 2009. Acesso no dia 23/03/2014:
https://www.ibamendes.com/2011/04/aristoteles-e-justificacao-da.html
TOSI, Giuseppe. Aristóteles e a escravidão natural.Boletim do CPA, Campinas, nº 15, jan/jun. 2003. Acessado no dia 21/03/2014: https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/tosi/tosi_aristoteles.pdf