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VIVEKA-CÛḌÂMAṆI - ŚAṄKARA
VIVEKA-CÛḌÂMAṆI - ŚAṄKARA


     VIVEKA-CÛḌÂMAṆI: A DISSOLUÇÃO DAS ILUSÕES SOBREPOSTA À VERDADE ABSOLUTA (BRAHMAN) SEGUNDO ŚAṄKARA.

Prof. Venâncio

 

Este ensaio transita por algumas das nuances mais significativas da perspectiva não dualista da filosofia da Índia. Neste sentido, debruçamo-nos sobre um nobre jovem pensador indiano chamado Úaṅkarachârya (788-820 d.C.), ao qual se atribui uma interpretação singular  no universo dos sistemas filosóficos da Índia, sendo também, de acordo com a tradição, um dos principais reformadores da doutrina monista: Advaita Vedânta (uma escola de cunho interpretativo não dualista). Para tanto, selecionamos um texto, atribuído a esse pensador, chamado “Viveka-Cûḍâmaṇi”, no qual identificamos, através de máximas (aforismos), etapas de qualificações propondo a liberação final (Mokṣa). Antes de tudo, porém, é preciso compreender a especificidade do termo “qualificar”, usualmente confundido como um processo evolutivo e singular, particularizando o objetivo da ação. A qualificação do sujeito, que o pensador Śaṅkara descreve dentro do Viveka (lit. discernir), é a capacidade de discernimento, segundo ele, inerente a todos. Na perspectiva monista do filósofo, o sujeito, o processo e o objeto da liberação não pode ser outro a não ser a própria Realidade Absoluta (Brahman). Por conseguinte, relacionar os valores dos ensinamentos ao mundo Real sem a qualificação do ser (visão do Si mesmo, que é Brahman) é impossível. Com efeito, este texto dissertativo representa, pois, a tentativa de identificação, compreensão e análise de excertos dos aforismos do Viveka-Cûḍâmaṇi, cujos conteúdos são considerados condição sine qua non para o encontro do Eu(Âtman).

 

          Pesquisar uma religião, país, ou cultura, enseja necessariamente que sejamos bastante cuidadosos no sentido de evitar estabelecermos juízos de valor a partir de parâmetros completamente alheios as realidades sobre as quais estamos nos debruçando. Manter as originalidades livrando-as de qualquer inclinação, principalmente as que partem de interpretações desacertadas, só seria capaz se aquilo que está sendo narrado manifestasse no sujeito cognoscente um “espanto”, ou seja, uma compreensão súbita, de natureza quase teofânica, provocada pela progressiva imersão do sujeito nas entrelinhas da tradição. Neste sentido, considerando-se a singularidade deste campo de pesquisa, urge ter sempre em perspectiva uma delimitação conceitual bastante precisa. Se não vejamos: aquilo que podemos chamar de uma manifestação fenomênica é tratada na filosofia não dualista da Índia, como uma sensação temporária (ilusão), que segundo, nesta filosofia, essa manifestação não transcende um sentido verdadeiro de mundo, sendo ela um modelo incomum à Realidade única, Absoluta (Brahman).

          Ao contrário de algumas outras interpretações que podem conceitualizar essa manifestação fenomênica, conforme a crença desses que interpreta o objeto que aparece, é para o sistema não dual da Índia, representada nessa dissertação pelo filósofo indiano Úaṅkara, como uma manifestação de ideia ilusória para a construção de um mundo externo. Podendo ser diluída segundo a afirmação desse filósofo, no pensamento humano, pela interpenetração do homem com o seu próprio eu.

          A Índia não carrega apenas esses elementos “exóticos” e “misteriosos” (fenômenos), existe também uma “história” rica, exuberante, que talvez isso não signifique nada para um lugar que cuja sabedoria é tratada como a joia mais preciosa, a mais sagrada, inerente a todos, sem valor material por ser incalculável, imponderável. Os seus recursos naturais são protagonistas do encontro do homem com os devas, que segundo a tradição ortodoxa, é a partir dessa relação conjunta que se procede as práticas ritualísticas, responsáveis pela manutenção do universo. O alto do Himalaia, por exemplo, é a fonte inspiradora e a morada dos deuses.

           Tomando por base o desenvolvimento filosófico instituído na Índia apresentaremos para esse trabalho um dos alicerces centrais à filosofia monista (não dualista), basicamente ficaremos contidos apenas no período das Upaniṣad, precisamente o período em que viveu Úaṅkara[1], é lá que encontramos a sua relação com o seu mestre Guru Govinda, testemunhada no texto clássico chamado viveka-cûḍâmaṇi, que não contém caracteres bibliográficos, trazendo apenas estruturas edificantes ao si mesmo (Âtman) que segundo o pensador é Brahman.

          Antes de trazermos quaisquer conceitos de estruturas filosóficas do viveka-cûḍâmaṇi é preciso contextualizar o meio social, período cultural e políticos da época. E entre outras coisas que nos ajudariam de fato a se familiarizar melhor sobre qualquer tema advindo da Índia. Com tudo isso, sobretudo, tentaremos, convicto da necessidade dos embasamentos para essa introdução histórica, fazer um levantamento necessário sobre as justificativas das apresentações dos períodos e textos teóricos “Brâhmaṇa (s)”, ligados ao cânone sagrado Veda (viz.); que segundo Loundo (2012, p. 31) é:

                            (...) uma das matrizes originárias fundamentais da civilização indiana.    

          Geralmente em muitos casos o que leva as pessoas caírem em contradições com qualquer cultura diferentemente das suas são as faltas das partes introdutórias sobre quaisquer que sejas o contexto histórico. Quando se trata de uma cultura milenar que cujo período baseia-se nas tradições literárias a tarefa é tão desafiante como complexa à sua contextualização-histórica. 

          A historicidade da Índia apesar de conter caracteres milenares como: aspectos históricos sobre a invasão ariana no noroeste da Índia, desenvolvimento e florescimento da civilização ário-persa, pode também nos ajudar a encontrar os primeiros movimentos que influenciaram as composições dos textos védicos e as características filosóficas (upaniṣad).

         Não seria nosso papel aqui e agora estudar toda essa tradição com elementos presumidamente antigos. Pois bem, se estamos falando de uma cultura amplamente diversificada desde sua origem (gênese) como o todo, então, como julgar apenas o necessário para que suas partes não sejam maus entendidas, e que assim não transtornem a sua autonomia num desgaste gritante?

          Antecipadamente precisamos esclarecer dois pontos fundamentais para essa dissertação: um que rege da própria tradição ortodoxa e ritualística da Índia em que a verdade de um mundo “ideal” necessita do contato inicial com os Devas, o outro então é o sistema filosófico não dualista, que busca-nos a entender que essa verdade é conduzida sistematicamente pelo o nosso próprio espírito - o si mesmo, segundo então para esse sistema, ele (o Eu) é a verdade.

          Para a escola filosófica não dualista o melhor esforço possível que a nossa mente tente denotar a esse saber descavando e retirando os obstáculos que impedem esse contato direto com a verdade sem antes ter uma investigação interna não auxiliaria ao sujeito/homem encontrar o valor preciso que emane dos veda, o mesmo estaria preso a esse desejo (des) qualificado pelo ego que aos “olhos” dessa sabedoria revelada “veda”, a meta “não é” atingir toda verdade ou o conhecimento: pois a verdade e o conhecimento nos veda já existem.


 

[1] Foi um jovem pensador indiano, renovador da escola Advaita Vedânta que apresentaremos com mais detalhes ao decorrer da dissertação.

 

          Segundo a tradição os pais do pensador Úaṅkara eram bastante idosos, mesmo assim eles desejavam ter um filho. Foi então que recorreram em suas orações ao deus Úiva[1], eram através das suas súplicas que eles mantinham acesas as chamas de seus desejos, pedindo, e acreditando diariamente na realização desse sonho tão esperado, que para eles era apenas questão de tempo (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 448, vol. II). As suas orações foram ouvidas e atendidas por Úiva. O que eles tinham a fazer era escolher entre uma das duas opções apresentada por essa deva (Úiva), que era optar entre um filho que viveria bastante tempo, mas para o mundo se tornaria uma pessoa sem nenhum talento, incapaz até de ser livre, ou um filho que seria um menino bastante prometedor, realizador de vários feitos.

          O que diferenciava essas duas opções apresentadas por esse deva era que na segunda a criança viveria pouco tempo de vida. De fato, o filósofo Úaṅkara viveu apenas 32 anos de idade e para um mundo dual, que sobrevive das consequências do tempo e do espaço, essa idade que ele virá a morrer era bastante curta.

          Seus pais escolheram a segunda opção, e depois de tanto tempo de espera nasceu o filho tão desejado, puseram o seu nome de Úaṅkara[2], que de forma literária significa aquele que é o doador de felicidade, seu nome é um dos atributos dedicados a esse deva (Úiva), cujo nome também fez referência ao seu pai que se chamava Úivaguru (pai). Já a sua mãe se chamava Úhivatârakâ Aryamba, sabendo os dois da missão de seu filho, educam o menino aos princípios básicos dos Veda.

        O jovem pensador úivaíta Úaṅkarâchârya nasceu em 788 (d.C)[3] em Kaladi, vilarejo do Malabar no estado sul da Índia, Kerala (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 448, vol. II). Através das suas interpretações resgata uma das correntes mais influentes e filosóficas da Índia: OAdvaita Vedânta (uma escola-interpretativa filosófica [vedânta-utara-mimansa] a escola do Absoluto). Em seu significado literal Vedânta pode ser traduzida como a parte final dos veda, também pode ser interpretada como a autoconsciência que se encontra no centro dessa sabedoria. O fim acerca das interpretações do termo Vedânta é a conclusão ou o ápice de todo o conhecimento que é Brahman, ou seja, nada pode existir: antes, durante e depois dessa eterna sabedoria.

        Muitos acreditam que ele tinha nascido com a esperança renovadora de identificar as penúrias “espirituais” que estavam sendo fundamentadas das intepretações não védicas,vindas das novas crenças que apareceram na Índia há séculos atrás. Principalmente pelo budismo que trazia outra nova “atividade espiritual”, que segundo a escola budista essa atividade é acessível a todos. Todavia, desfazer de uma crença por uma identidade que não correspondem em sua totalidade, nem aos seus valores, seria para esse pensador construir a sua casa em um terreno escabroso. (MUKHAYÂNANDA, 1998, p. 14).

       Úaṅkarâchârya cresceu em meio ao caos psicológico-filosófico, dos quais muitos seguimentos apareceram negando direta ou indiretamente as sabedorias contidas nos veda. A tradição ortodoxa indiana encontrava-se “ameaçada” por essas novas aberturas.

        Alguns indianos não percebiam mais a verdadeira compaixão no sentido em que não mante-se uma relação com os deva, decorrentes de vários elementos, principalmente fatores psicológicos que mantinham certa distância do povo. As pessoas eram presas a um pré-julgamento articulada por controles políticos e éticos conhecidas por castas.

Essa incredibilidade foi constante por toda Índia.  Zimmer (1991, p. 283) considerava que:

 

A sabedoria sagrada dos brâmanes descuidou significantemente do desenvolvimento do individuo. A autodescoberta e a autoexpressão nunca foram estudadas como meios pelos quais o individuo poderia realizar-se e prepara-se a fim de dar sua própria contribuição ao mundo.

 

        Queremos dizer que as insatisfações do pensador Úaṅkarâchârya não eram com os ensinamentos contidos nos veda, o desagrado desse pensador eram pelas interpretações más elaboradas, que ao longo do tempo foram todas transformadas em “planos particulares”, distanciando determinados grupos de pessoas de sua realidade, as instituições que representavas essas castas, impossibilitava alguns praticantes ritualísticos a fazerem partes desses momentos prático e especial, limitando a sua finalidade causada perante os Veda.

        Encontramos neste pensador uma resposta de retorno aos indianos que sempre firmaram a sua devoção aos veda, todos que aceitassem essas sabedorias se encontravam na esteira de uma nova chance a liberdade, pela chave de interpretação aos textos sagrados recuperados pelas Upaniṣad; Brahma-sûtra-bhâṣya; Bhagavad-gîtâ e Viveka-cûḍâmaṇ. Foram graças a sua resplandecência que o jovem pensador Úaṅkara reabriu um novo capítulo na cultura indiana.

       O estatuto da afirmação apresentada acima que se instaura no Advaita com sua interpretação não dualista acredita na sustentação e na dissolução do mundo em Brahman. Devemos lembrar que nos primeiros períodos da Índia, não havia uma preocupação sistemática em querer datar, nomear obras ou acontecimentos importantes. Por isso mesmo não se afirma tais momentos referenciando épocas exatas. Naquele contexto social consideravam-se muito mais importantes os conteúdos deixados por seus respectivos pensadores. Por isso, não nos preocupemos com épocas e datas, mas com as verdades que permanecem funcionais na Índia.

       A afirmação definida dessas datas, ou de outras, só foram possíveis graças à reação que auto se instituiu no mundo moderno pelos processos de impressões de livros que registraram séculos apenas em suas laudas. Para a cultura indiana o que sempre prevaleceu como importantes foram os ensinamentos deixados pelos seus pensadores, dos quais contribuíram para “elevação” cultural e “espiritual”. Os processos que mantiveram o calor da tradição védica foram todas elas asseguradas pela forma prática oratória, pois esses ensinamentos eram mantidos de geração em geração.

       Nasce o mundo moderno e na trilha dessa modernização os homens começam a se adaptar as novas ideias que eles mesmos julgavam serem eficazes a sua vida (a vida do homem moderno), com todas essas criações surgem ferramentas que sucederam meios que eram mantidas a milhares de anos.

       A tradição da oralidade, por exemplo, imortalizou os veda não com a ideia de ser lembradas futuramente, como algo que existiu na vida dos povos indianos. Com o tempo ela foi substituída pela forma da escrita e isso repercutiu muito sobre o espírito original desses ensinamentos contidos nos veda.

        Desde garoto Úaṅkara sempre foi um pensador inquieto, a sua atividade de buscar a verdadeira realidade sempre lhe acompanhou. A sua maneira renovadora de interpretar a expressão final dos veda que tratam da revelação do Absoluto – Brahman é o que lhe fez tornar um dos importantes pensadores daquela região.

        Incessantemente observador esse menino já trazia algo diferente das outras crianças de sua vila. Tão grande era a sua sabedoria que esse destaque lhe promoveu a ocupar um dos pontos referenciais sobre o conceito da não dualidade. Tudo isso diante do seu desempenho nas interpretações sobre os textos sagrados que sempre trataram da unicidade do mundo. Essa posição era na sucessão monástica que vem desde Gauḍapâda[4] até uma regra sistemática de monges (sannyâsins) que regem nessa tradição.

      Herdeiro de uma sabedoria e uma eloquência fenomenal Úaṅkara sempre foi audacioso, sendo, até hoje, venerado por milhares de pessoas. Ele polemizou com muita responsabilidade os problemas reais de sua época, desconstruindo para isso as imanências vigentes e duais, fixas nas vidas das pessoas. Eram através de suas explicações interpretativas sobre o Advaita Vedânta que na sua categoria não dualista combatia essas imanências. Tudo isso ocorre quando Úaṅkara elenca os princípios ilusórios mantidos por um mundo criado pela ignorância e individualidade do homem.

     Foi dessa maneira que ele ocupou o primeiro grão-mestre da ordem monástica na escola filosófica Advaita Vedânta. Defendendo a verdade em Brahman, contrapondo várias outras doutrinas principalmente algumas do seu próprio universo cultural.

       Ele aparece como um crivo da metafisica não dualista aniquilando do mundo as falsas percepções. Para Zimmer (1991, p.281),

 

O Eu da tradição ariano-védica, o Ser Universal, habita o individuo e é o que lhe dá vida. Transcende tanto o organismo denso de seu corpo como o organismo sutil de sua psique, carece de órgãos sensoriais próprios pelos quais possa atuar e experimentar, e não obstante é exatamente a força vital que o torna capaz de agir.

 

        O papel desempenhado por Úaṅkara dentro da escola filosófica Vedânta é a abertura de uma ação sustentada até o desenvolvimento final dos veda não como algo terminado que nos ocasiona a pensar um sentido amplo de não mais existir. O desenvolvimento dos veda é a conclusão de que nada possa existir além ou após a realização final dessa revelação –, vedânta. Com aproximadamente oito anos de idade Úaṅkara começa os seus primeiros ensaios interpretativos: escrevendo e redigindo seus comentários aos textos sagrados (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 253, vol. I).

       Sempre foi através dos discursos que Úaṅkara provava que as suas “interpretações” eram todas verdadeiras, tais interpretações favoreceram circunstancialmente na análise do discernimento entre o que é real e o que é ilusório, porém, essas suas afirmações baseavam-se nas interpretações discursivas de seus comentários aos: Brahma-sûtra-bhâṣya; Bhagavad-gîtâ; as Upaniṣad; Aparokṣânubhûti; Viveka-cûḍâmaṇi e Pañcî-Karaṇam, (DASGUPTA, 1952, pp. 78-79; RADHAKRISHNAN, 1948, p. 450, vol. II).

       O pensamento de um filósofo não nasce como uma ideia imediata que ao estalar dos dedos essa luz ascenderia[5], ou mesmo, como uma compreensão súbita, evidenciando um futuro. É preciso conhecer determinadas circunstâncias para que delas se obtenha uma noção de algo principalmente daquilo do que está se falando. O futuro não se conhece, mas podemos diante do que passamos ou aquilo que está sendo construído na vida imaginá-la.

       Não recolheremos dessa imaginação uma certeza absoluta dos fatos, esses eram um dos grandes dilemas de nosso pensador (o homem se torna escravo de suas próprias certezas), empregando apenas a causa pelas causas que ocorrem nesse processo como um conjunto de consequências. Úaṅkara não vai se limitar a essas “verdades pessoais”, ele reorganiza os veda, corrigindo os erros de intepretações, alocando pontos de concordâncias interpretativas no sistema presente pelas falhas de outros pensadores posicionando seu ponto de vista como uma questão única.

Para explicar os alicerces básicos do pensador Úaṅkara ao conjunto de pensamento não dualista Advaita, Zimmer (1991, p. 285) levanta a seguinte hipótese:

 

Fundamentando seu raciocínio na formula védica ta tvam asi, “tu és Aquilo”, Úaṅkara desenvolveu com firme coerência uma doutrina sistemática que tomava o Eu (Âtman) como única realidade, considerando tudo o mais como produto fantasmagórico da ignorância (avidyâ). O cosmo é feito da ignorância, como também o é o ego interior (ahaṅkâra), que em todo lugar é confundido com o Eu. A mâyâ, a ilusão, zomba a cada instante das faculdades perceptivas, pensantes e intuitivas. O Eu está profundamente oculto. Mas quando o Eu é conhecido não há ignorância, não há mâyâ, não há avidyâ, isto é, não há macrocosmo ou microcosmo: não há mundo.

 

            Para ser bem sucinto a essa questão concluímos que toda “mecanização” de reformulações dos veda por Úaṅkara serviram como estratégias da própria filosofia vedantina, isso não pode ser negado os próprios textos respondem por nós.

        O que são declarados em seus argumentos filosóficos não condenaria nem tão pouco conduziria os homens a acreditarem que eles estavam aptos ou seguros a conhecer a verdade sem antes esses homens não tivesse tido contato algum com um sábio.

        As ferramentas utilizadas em defesa de sua tese são dadas como elementos principais e não único, onde esses homens através de suas reflexões pudessem perceber o grau de instrução, sensato, e fundamental à conquista da liberação. Repetiremos esse raciocínio para que todas essas argumentações não se desalinhem do projeto racional perceptível declarado no Viveka-cûḍâmaṇi que é uma das principais obras do pensamento não dualista: o Advaita.

       Não que essas ferramentas sejam a solução final, Úaṅkara diz que o próprio homem é perceptivo ao seu próprio grau pedagógico de instrução (ao reconhecer a si mesmo), apenas o homem que ao ultrapassar todas essas barreiras que lhe impede ver a verdade conseguia mergulhar neste absoluto.

       Isso não pode ser atingido apenas com a palavra como o próprio filósofo Úaṅkara (1992, p. 36, afor.64) diz nesse aforismo:  Não se cura uma doença apenas pronunciando o nome do remédio (...).

 

         O remédio para essa analogia são as ferramentas, ou seja, os caminhos “interpretativos” elencados por Úaṅkara o que de fato tem que acontecer é tomar o remédio, que para esse filósofo o “remédio” é ação (prática) na dissolução de tudo que existe em Brahman, isso sim é possível com a prática da ação em discernir as ilusões (mâyâ) como a verdade Brahmâtman.

        A veracidade dos fatos que expõem os caminhos suscitados pelo pensador Úaṅkara, em suas discussões diretamente ligadas as posições interpretativas a cerca das obras corretas, que segundo o pensador são as únicas corretas, são inatas aos raciocínios expostos, que eram para ele ações que deveriam ser tomadas com certas prudências. Úaṅkara diz que nada pode ser criado: algo que possa remeter um sentido novo. Segundo o pensador esses fatos sempre existiram nos planos físicos e “metafísicos” do eu.

        A nossa tarefa diante desses fatos[6] segundo a sua interpretação é participar ativamente das ações que são comuns a todos, como uma espécie de familiarização direta com o mesmo, e diante dessas articulações perceberem que tais ações são frequentes nos âmbitos favorecidos e apropriados a esse conhecimento. Como por exemplo: os nossos órgãos sensoriais e suas funções; o olho pela dimensão que ele articula e permite a visão ver; a audição e ouvido pelos seus movimentos na captação do som; a mente pelos pensamentos, e por último no conjunto de todas essas etapas, onde no momento da atividade surge a faculdade do discernimento (MUKHAYÂNANDA, 1998, p. 25).

      Úaṅkara em nenhum momento ousou “acabar” com qualquer tipo de “doutrina”, principalmente ortodoxa qual ele mesmo pertencia. Não só ele como também os primeiros sábios das upaniṣad que são os pensadores pertencentes majoritariamente ao período pós-védico, homens-livres que buscavam para si outro tipo de contemplação dos quais eles acreditavam ser mais consistente a sua verdadeira realidade, a saber: Brahman/Âtman.

Zimmer (1991, p. 252) afirma essa teoria dizendo que esses homens (...),

Foram além da concepção tradicional que tinham os sacerdotes acerca do cosmo. Entretanto, o fizeram sem dissolvê-la ou criticá-la, pois a esfera que investigavam não era a mesma que a monopolizada pelos sacerdotes. Viraram as costas ao universo externo – o domínio interpretado nos mitos e controlado pelos complexos ritos de sacrifício – porque estavam descobrindo algo mais interessante. Haviam deparado com o mundo interior, o universo do próprio homem e, inserido neste, o mistério do Eu. Tal atitude os levou para muito longe das numerosas deidades antropomórficas que eram os governadores legítimos, tanto do macrocosmo como das funções sensoriais do organismo microcósmico.

 

         Para esses homens a sua nova orientação intelectual encontrava-se dentro do seu próprio intimo, focalizando os princípios básicos dessa sabedoria. Eles reconheciam Brahman como a Verdadeira essência do universo, afirmando com isso os meios para este conhecimento bem diferente daquelas propostas elencadas pelos brâmanes no período védico.

      É evidente que esses homens livres rompem com a sua tradição, mas, não deixa de pertencer à mesma geneticamente. Sinal importantíssimo para o pensador Úaṅkara, pois a essência que emergia do Absoluto lhe dava coragem a reconhecer o seu próprio Eu.

       Pois como a qualquer um que desejar a sua liberação o pensador Úaṅkara que tinha a sua “origem” na cultura védica sabia que:

       A preocupação de cada um (Ser) era desembaraçar-se da matéria na qual se via inserido e flutuando, assim obter a liberação, o que constitui uma finalidade bem diferente daquela dos hinos védicos, das upaniṣad e dos ensinamentos da canção cósmica da Bhagavad Gîtâ (ZIMMER, 1991, p.284).

      A sua “certeza” interpretativa baseava-se nas falhas também interpretadas por outros, ele utiliza-se dessas falhas para corrigi-las como escrituras “certas”. Justificando a pretensão defendida, não a pretensão de  Úaṅkara, mas das escrituras que ele apontava serem corretas.

      Eram através dos debates que cada escola de pensamentos dualista e não dualista, tradicionalistas ou não, defendiam suas posições filosóficas, Úaṅkara sempre participava desses “duelos intelectuais”.

        O debate entre as escolas de pensamentos filosóficos na Índia era bastante comum, cada um entre suas posições de pensamentos diferentes defendiam suas interpretações, posicionadas apenas as pessoas habilitadas a dominar bem o assunto a ser debatido: o debatedor era o pensador que tinha autoridade no tema apresentado à discussão. Ao encontro inicial do discurso cada um logicamente, respeitando, o tempo submetido um ao outro e na condição de ser avaliado por um juiz (árbitro), defendiam suas posições, todo aquele que por via do discurso atingissem o cerne de todas as questões apresentadas, sairia vitorioso do debate. A escola campeã conquistava vários adeptos por defender com bastante mestria a sua posição “correta” interpretativa (GULMINI, 2007, p. 15).

       A Índia hoje é fracionada em várias outras doutrinas e seguimentos religiosos que contradizem a sublimidade de sua cultura. No caso de Úaṅkara a sua ideia não era criar outra religião ou cultura. Dados característicos do universo ocidental que dava por excelência a alguém que desejasse buscar outra luz e dela criar uma realidade consentânea a sua razão.

       Esta extremidade não indicaria ao pensador indiano uma vontade de por um fim na religião ortodoxa, e, a não ortodoxa da Índia, ou seja: acabar com a religião “X” e começar outra religião, por exemplo, uma religião “B”, baseada em doutrinas “particulares”, formulada em ideias positivistas, apresentando um plano “salvivico”, que fossem salutares a todos, ou até mesmo, dentro da religião “X” aparta-se dessa, e com as mesmas doutrinas e raízes, criar outra realidade. Isso não era plausível aos princípios ideológicos de Úaṅkara, segundo a sua interpretação e segundo os conceitos básicos de sua escola de pensamento: Advaita Vedânta.

       O que o filósofo sempre propôs foi a não separação de suas raízes: para ele é preciso entender que desde suas raízes até a eternidade, o homem sempre será Brahman. Mesmo assim nos resta uma dúvida, será que as suas interpretações ditas corretas não poderia iniciar na Índia outra doutrina religiosa?

 

 GURU: O NASCIMENTO DAS REVELAÇÕES

 

       O filósofo Úaṅkara destaca a presença de um guru como algo importante ao desenvolvimento “psico-filosófico” de um discípulo (aluno), ele abre espaço para uma discussão ao levantar a hipótese de referenciar o mestre-guru como verdadeiros sábios, capazes de discernir o certo do errado. Com isso, o filósofo dá margens a uma discussão no campo da epistemologia onde o homem não seria capaz sozinho de perceber as nuances que ocorrem nessa realidade.

 

Vejamos o que Úaṅkara diz no aforismo 83 do viveka-cûḍâmaṇi, e em seguida veremos a interpretação comentada por Azevedo, trecho esse retirado do livro “viveka-cûḍâmaṇi – A joia suprema da Sabedoria”.

 

 Ao aforismo:

 

       A mente daquele que trilha a áspera senda dos objetos sensoriais torna-se turva, e a morte espera por ele a cada passo. Mas aquele que trilha a reta senda, sob a instrução de um Guru, um bom homem que cuida de seu bem-estar espiritual, obterá por sua própria intuição a conquista do seu objetivo. Saiba que isso é verdade (ÚAṄKARA, 1992, p. 42, afor. 83).

 

 Agora vamos ver o comentário de Azevedo:

 

       Úaṅkara afirma a necessidade de um Guru, de um instrutor espiritual visível ou invisível, de alguém que venha em nosso auxilio, nos inspire, para que tenhamos a energia necessária para levar até o fim o nosso propósito de atingir a liberação (Comentário in: ÚAṄKARA, 1992, p. 42, afor. 83).

      Para Úaṅkara o que difere de qualquer relação epistemológica, é que esse conhecimento não é dado pelo Guru, não é essa relação que ele expõe no viveka-cûḍâmaṇi, principalmente nesse aforismo, apesar de que o Guru seja essencial para a liberação. O verdadeiro Guru é o próprio “eu” aquele que deseja conhecer a verdade.

      Neste instante o guru passa a ser esse que conseguiu revelar a verdade, será ele o seu próprio mestre, pois depois de instruído, seguirá a sua própria orientação, ninguém mais poderá revelar algo a sua própria essência (ÚAṄKARA, 1992, p. 203, afor. 579).

      Úaṅkara diz que o Mestre-guru já se apresenta como o conhecedor da verdade, mas essa verdade só pode existir quando o aluno segue os métodos propedêuticos dessa revelação (ÚAṄKARA, 1992, p. 26, afor. 35).

            Vejamos o que segue nesse aforismo:

 

Portanto aquele que deseja conhecer a natureza de seu próprio Âtman (eu), após ter encontrado um Guru que obteve o conhecimento do Absoluto (Brahmajñâna) e seja de uma bondosa disposição, deve prosseguir com sua investigação (ÚAṄKARA, 1992, p. 20, afor. 15).            

       

       O objetivo principal do Guru é servir ou infundir no Ṡishya (discípulo), que Segundo Monier-Williams (1997, p.1077) o termo “Ṡishya” significa: aquele a ser ensinado, que deve ser instruído, o bom aluno, estudioso e discípulo que tanto respeita a verdadeira luz que brilha intensamente no guru, pois só ele (o Guru) é capacitado para transmissão dessa verdade, “você é isso”.

        Serão a partir desses conceitos que o discípulo-iniciado começa os seus processos de investigações buscando a verdade pronunciada pelo seu mestre, não fora de sua realidade e sim descobrindo essa verdade dentro do si mesmo.

        Srî Govinda - Yogîndra (Bhagvatpada), um discípulo proeminente do grande Srî Gauḍapâdacharya da reputação Mandukya - karika, “revelou” a Úaṅkara a espiritualidade e conceitos através de seus ensinamentos (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 452, vol. II).

      O filósofo retribuiu de maneira afetiva em algumas passagens, encontradas no próprio Viveka-cûḍâmaṇi “A Joia Suprema da Sabedoria”, vejamos um desses aforismos:

 Eu me prostro diante do verdadeiro Instrutor – diante daquele que é revelado pelas conclusões de todos os sistemas da filosofia Vedante, mas que em si é desconhecido, Govinda a suprema bem-aventurança (ÚAṄKARA, 1992, p. 15, afor. 01).

     

  É bastante evidente neste trecho a aplicabilidade que Úaṅkara formalmente utiliza na apresentação do seu mestre Guru “Govinda - Yogîndra”, a sua exterioridade fica visível na condição concreta daquilo que podemos pensar sobre a relação entre mestre e discípulo.

       Sucessivamente essa relação confirma na medida em que esse discípulo através de sua própria disciplina sente-se preparado pondo em prática tudo àquilo que aprendeu.

 

DA APARÊNCIA À ESSÊNCIA: DESCONSTRUÇÃO DA ILUSÃO

 

        A morte do pai de Úaṅkara foi uma porta interpretativa de toda ilusão presente no mundo. O seu pai (Úiva-guru) sempre tentou mostrar ao garoto que a morte é uma passagem ou uma transição na eliminação dessa ilusão.

       Úaṅkara sabia que aquele momento desesperador de seus familiares com a morte de seu pai, principalmente a tristeza patente no rosto de sua mãe, era uma das questões que precisava ser resolvidas, onde ele mesmo traduziria a morte como uma cadeia de suposições ilusórias que foram sobrepostas a Realidade Suprema (Brahman).

       São diferentes pontos de vistas sobre sua vida, se ainda sim as questões fossem prioritárias não apresentariam tantas clarezas. A sua vida é completamente cercada por lendas, e neste ponto aparece uma questão bastante polêmica: de quê seu corpo nunca foi encontrado. Poucas indicações já bastariam para dizer que Úaṅkara seria um Avatar de Úiva? Que veio ao mundo com a missão de afastar as inverdades que foram postas por algumas escolas heterodoxas a respeito dos Veda, cuja toda tradição indiana encontrava-se ameaçada? Trazendo novamente o discurso da não dualidade que “jorra” fluentemente nos seus trabalhos o pensador Úaṅkara é ideal para resolver esses problemas (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 449, vol. II).

      Úaṅkara procurava no vazio do conhecimento materialista algo que lhe pudesse fortalecer e ao mesmo tempo dissolver as estruturas ilusórias vividas por várias pessoas.

      Podemos perceber a sua tarefa “filosófica” e “metafisica” nos argumentos interpretativos do próprio Advaita. Não como questões dogmáticas, embora algumas pessoas pensem assim. Para os desfechos dessas afirmações postuladas a cerca do sistema Advaita, o pensador sabia que não era uma atividade fácil, e sim árdua, bem diferentes dos conceitos pragmáticos que ele mesmo elaborou sob seus comentários, onde seus textos estabelecem um diálogo entre o tempo: passado, presente e o futuro.

       Um fato importante na vida desse pensador Úaṅkara daria início a sua vida monástica, tão diferente dos processos legais que eram necessários para a iniciação de um futuro monge, seguidos na tradição hindu.

       Mukhayânanda (1998, p.16) descreve esse acontecimento como a quebra das primeiras regras que o pensador Úaṅkara sempre combateu. Ele acreditava que essas regras serviam como prisões por elas não dá abertura ao desejo intimo entre o sujeito e a sua própria essência. Vejamos o trecho que esse autor apresenta essa ruptura e, a cada parte faremos um pequeno comentário.

       No entanto, um evento extraordinário, garantiu o consentimento da mãe. Alguns dizem que o filho amoroso e compassivo, para amenizar o sofrimento e angústia psicológica de sua mãe, recorreu a um truque com um duplo sentido de obter sua permissão para sua renúncia.

      Nesse primeiro trecho Mukhayânanda chama a atenção para um fato importantíssimo Úaṅkara aos dezesseis anos de idade retorna a sua casa depois de alguns anos estudando sânscrito e nesse período a vida da sua mãe se encontrava bastante difícil, Úaṅkara era a sua única companhia. Por isso, então, ao retornar a sua casa sua mãe já havia providenciado o seu casamento, só assim ela acreditava que manteria seu filho em casa e ele cuidaria dela a vida inteira. Como de costume na Índia qualquer filho (homem) ao se casar, moraria na casa de seus pais com sua esposa e além de tudo Úaṅkara era aquele filho tão desejado por seus pais.

      Ao retornar a sua casa Úaṅkara não trouxe apenas os ensinamentos literários, mais também uma bagagem de postura renovadora a vida dentro de si um ardente desejo em se tornar um sannyâsins, pois, só assim ele acreditava se dedicar com mais intensidade as ressureições e interpretações védicas.

       A sua sabedoria era tanta que invejava muita gente, chamando a atenção daqueles que não conseguiam se libertar dos luxos e de seus tronos. O próprio Mukhayânanda (1998, p.15) narra um episódio em que o pensador foi atentado a honrarias e riquezas, por um rei da sua região, mas para o pensador nada disso representava valor algum. O desejo a se tornar um monge vinha junto com a vontade de conhecer a verdade do Eu.

      Ele sabia o quanto sua mãe sofreria no momento da sua decisão. O caminho para renúncia é um caminho “waiverfull”, e para essa escolha o pensador estava ciente dos desafios que teria a enfrentar como caminhos pedregosos, longos e ariscados. A sua opção para ser monge vinha junto com as decisões de celibatário e a de sempre manter a mente puramente limpa. Um monge sannyâsins manteria o respeito entre todas as mulheres, viveria nas mais simplicidades possíveis e em constante contemplação. Não obter riquezas e nem lar, talvez isso não fosse uma das preocupações de Aryamba em relação ao seu filho.

       Úaṅkara sabia que essa escolha era bastante radical para não contrariar a sua mãe e seu destino ele aproveita um momento ideal para realização desse seu projeto.

 

Vejamos mais um trecho descrito por Mukhayânanda (1998, p.16).

 

 Um dia, a mãe (Aryamba) e o filho (Úaṅkara) foram até o rio da vizinhança para um banho como de costume. Úaṅkara estava em seu banho, quando então chama a atenção de sua mãe aos gritos, ela assustada com tudo aquilo, percebe que um crocodilo tinha pego a perna de seu filho, e que levava o jovem pensador Úaṅkara para o fundo do rio, o medo era visível em sua mãe que não sabia o que fazer, é nesse momento que o pensador diz a sua mãe o seu maior desejo: de se tornar um sannyâsins. Aryamba sentiu-se ancorada por sua decisão, ela sabia que se seu filho morresse naquele rio, ela nunca se perdoaria, por não ter dado a liberdade que ele tanto desejava.

 

        Claro que este acontecimento não foi premeditado por Úaṅkara, buscamos nessa nossa interpretação perceber que o episódio mostra o fim daquelas regras que eram precisas para se tornar um futuro sannyâsins, todas elas foram substituídas naquele instante no rio entre o desejo do pensador Úaṅkara e o consentimento de sua mãe Aryamba. Úaṅkara diante desse momento ao dizer a sua mãe sobre a sua vontade quebra o paradigma entre as sucessões monásticas da Índia. Agora veremos como Mukhayânanda (1998, p.16), interpreta esse acontecimento.

 

(...) a permissão de sua combinava-se ao pat-sannyasa (ordenação de emergência sem rituais) antes de ele falecer e cumprir o seu desejo intenso, o seu último desejo. A mãe nesta crise, é claro, não hesitaria e logo deu seu consentimento com o fundo de esperança de que ela pudesse vê-lo mesmo como um sannyâsins. Ele já tinha sido previsto pelos famosos astrólogos que iria enfrentar a morte aos dezesseis anos. Ela deve ter pensado que sendo um sannyâsins ele estaria morrendo à vida mundana, ele pode ser milagrosamente salvo pela graça de Shiva, a quem ela orava. O milagre fez acontecer, o crocodilo (apego à vida mundana, simbolizado pelo crocodilo-mahamohagraha) de repente para e larga a perna esquerda do jovem pensador e desapareceu, Úaṅkara saiu da água incólume como um sannyâsins. A mãe também foi preenchida com um sentimento de felicidade e tristeza ao mesmo tempo, feliz que seu filho estava vivo, e muito triste, porque uma vez sannyâsins nunca mais deixara de ser, e assim ela sabia que ele não pode e não mais ira morar com ela.

      

        Além dessas particularidades, transitando a maioria em lendas, teremos que nos aproximar da máxima importância que essas histórias têm a nos dizer. Acreditavam que na vida de mestre ele se dedicaria mais aos problemas que tanto lhes atormentava, problemas que muitos ainda hoje vivem presos: a existência virtuosa da ilusão e a total escuridão ou ignorância.

        Hoje podemos ter várias referências sobre qualquer momento histórico do mundo, graças à modernização que chegaram juntos com os avanços tecnológicos “facilitando” algumas informações. No caso da vida e obra de Úaṅkara essas modernizações trouxeram várias interpretações que tomado por base foram suficientes para que hoje pudéssemos ter uma data fixa sobre o seu nascimento e morte.

       É baseado no que estava sendo discutido na época e por meios de comparações aos tipos de textos produzidos por vários outros pensadores antigos da Índia, que afirmamos o final século VIII e início do século IX (788-820 d.C.) como a data oficial de nascimento e morte de Úaṅkara. O que torna sustentável essa “teoria” é a época que foi concedida referencialmente aos seis darúanas ortodoxos (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 447, vol. II).

       Trinta e dois anos de idade esse é o tempo que viveu Úaṅkara, pouco tempo foram suficiente para que as autorias dos seus trabalhos fossem todas elas colocadas em dúvidas em função de seus números excessivos. Tudo isso pelos excepcionalmente volumes de obras comentadas e interpretadas (MUKHAYÂNANDA, 1998, pp. 14 a 23). Sobre a causa da morte desse pensador ainda é um mistério, o que se sabe é que aconteceu na cidade de Kerdanarth.

      Nesse período Úaṅkara já havia cumprido seu papel de mestre guru formando vários outros seus seguidores dos quais destacaremos aqui apenas alguns desses principais discípulos: Sureúvara autor de Varttika em bhashya e Naiṣkarmya-siddhi (a criação do Estado e da não ação), Maṇḍana comentador do úaṅkhapâṇi e Mahâmahopâhyâya, Padmapâda que escreveu o Panchapadika, Totaka e Hastamalaka, dando a cada um deles a tarefa em continuar sua missão aos estudos dos veda e o ensino tradicional do Advaita Vedânta (DASGUPTA, 1952, p. 82 a 86) [7].

       Ainda hoje ele é considerado um eterno nobre pensador da Índia, segundo Radhakrishnan (1948, p. 450. Vol. II) a vida do filósofo Úaṅkara sempre foi marcada por vários compromissos aos veda. Suas obras continuam “inéditas”, não por uma contextualização ou interpretação, essas atribuições são sobre as veemências que ainda hoje sobrevivem em suas teses a debates sobre a não dualidade. O ineditismo que aclamamos aqui seria em muitos casos o não valor semântico de suas intepretações, que na maioria dos casos eram elas que apontavam um saber ilusório julgadas entre a relação do sujeito com o objeto.

      Formas que implicariam as percepções do mundo aproximando o homem em sua contradição com o seu eu, levando a admitir hipoteticamente um mundo de ilusões que não lhe permite ver ou reconhecer a sua verdadeira essência.

     O desenvolvimento máximo de suas interpretações ao Advaita Vedânta, transforma-se em transcendência por um saber sistemático, prático e literário. Corrigido principalmente em uma (re) educação com o seu próprio eu, que fez desse pensador um divisor de águas nas estruturas dos pensamentos indianos, principalmente como fontes de referências entre as escolas ortodoxas ou não da Índia, que baseados nessas suas estruturas buscam a segurança em defesa de seus propósitos.

 

 O SISTEMA FILOSÓFICO INTERPRETADO POR ÚAṄKARA

 

       O brilho que “reflete” do pensamento não dualista da Índia vai ter como base uma das correntes filosóficas e interpretativas mais fluentes nesse país, a saber, o Advaita Vedânta: que nega a dualidade ou o sentido oposto do mundo. Para essa linha de pensamento a verdade e o conhecimento são unos, inseparáveis, indissolúveis e permanentes. É a partir dessa afirmação que apresentaremos o conceito imergente da não pluralidade que através dessas argumentações deixa aqui um desafio: conceitualizar o Advaita Vedânta[8] como um problema metafisico, principalmente quando ultrapassa os limites da sabedoria. Por tanto, não é um conhecimento que vem de fora para dentro, e sim um conhecimento que brota de uma relação alcançável na máxime erudição do próprio Eu.

         O sistema não dualista da Índia é a grande atenção ao conceito de liberdade que leva o pensador Úaṅkara interpretar várias passagens das Upaniṣad, e entre outros textos conforme aqui já haviam sido apresentados.

        Ao desenvolver o seu sistema de pensamento Úaṅkara conquista a agudeza mais transcendente da vida em que nenhum homem envolto a sua ilusão de mundo conquistaria.  

        O pensador Radhakrishnan (1948, p. 446. Vol. II) afirma que o Advaita Vedânta é,

 

 (...) um sistema de grande sutileza, ousado e de uma lógica especulativa fenomenal. Seu intelectualismo austero, a lógica implacável, que marcha sobre indiferente, às esperanças e crenças do homem, é a liberdade a obsessões teológicas, livres relativos, a torná-lo um grande exemplo de um esquema puramente filosófico.

 

         Como já sabemos, este sistema proporcionou ao pensador Úaṅkara a ser um dos maiores e importantes nomes da linha não dualista em que seus pensamentos filosóficos tinham em sua conclusão uma só realidade: Brahmâtman. Para Mahadevan (1991, p. 197) mestres como Nârâyaṇa, Vyâsa, Gauḍapâda vão fazer parte desta lista.

      Úaṅkara se destaca também pela responsabilidade em sua missão a dar continuidade naquilo que o mestre de seu mestre “Gauḍapâda” [9] já havia feito em sua obra filosófica Mandukya-Kârikâ, sobre a visão monista (DASGUPTA, 1952, p. 78). Segundo Gulmini (2007, p. 13), Gauḍapâda acaba deixando claro nesses seus escritos o quanto as escolas monista budista tinham influenciado as suas interpretações. Ele vai aplicar a sua filosofia dentro do conceito não dualista. Existem por tanto dois aspectos centrais ao seu contexto: (i) Brahman e Âtman do qual os dois “será” como uno - uma única realidade; (ii) Mâyâ como produto de ilusão: consequência da ignorância (avidyâ) conduzindo a mente humana ao erro.

      A verdadeira Realidade defendida pelo filósofo Úaṅkara não traça um conflito entre a realidade = o que é real e a não realidade = o que não é real (TOLA; DRAGONETTI, 2002, p. 143).

      O que consiste nesta sua afirmação sobre uma Realidade Absoluta (Brahman), é a não correspondência dos objetos externos apresentados preferencialmente como verdade. O que talvez lhe favoreça para que suas ideias possam ter determinados valores são os termos dos quais foram representados pelos pensamentos que não influenciaram o sistema filosófico “advaita”.

 

Para Úaṅkara (1992, p. 33, afor. 56),

 

 A natureza da Realidade única tem de ser conhecida pela nossa clara percepção espiritual e não através de um paṇḍit (erudito); a forma da Lua tem de ser conhecida através de nossos próprios olhos; como poderia ser conhecida através de outros meios?

 

         As representações que aos homens foram explicitadas não pela ação espiritual, ou melhor, não pelo Âtman, Úaṅkara os classificam como sendo meras ilusões. Elas determinam os homens caírem na armadilha da fantasia, prendendo-lhes a um desejo finito. Os homens passam a acreditar que a Realidade Absoluta é composta por três características, a saber: (Jîva) onde ele define como o “eu” espiritual ou individual do homem, transmigrante e conhecedor de todas as coisas, capaz até de sentir dor e alegria; (o mundo-externo) que para esse sistema só existe na mente humana e (Îshvara) um deus pessoal, aquele que dizem ser o criador do céu e da terra (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 456. Vol. II). Embora na tradição védica existam termos que apresentam características estimulantes à instituição de Brahman, como causa propícia a criação do universo.

       Para o filósofo Úaṅkara, que traz em seu discurso algo renovador, que segundo ele está muito acima dessas relevâncias, essas formas de interpretar esse Absoluto como causa de todas as representações do mundo não seja jamais compreendida como verdade. Os meios quais isso se conduziram ele apresenta como: incondicionado e condicionado.

       Brahman para o sistema filosófico de Úaṅkara é totalmente livre de condição, nada o restringe. Quando Brahman é conduzido a uma qualificação pela consciência humana, cogitado como um “Deus” ou qualquer outra coisa a essa circunstância, para o pensador Úaṅkara isso é ilusão, sendo essa interpretação uma das etapas ilusórias, querendo dizer algo sobre o Si e querendo conhecer Brahman.    

      Negar a existência como verdade junto com esses três conceitos ilusórios (Jîva, o mundo externo e Îshvara) à Brahman, não seria dizer que tais princípios não existissem. Úaṅkara com as suas interpretações nos convida a entender as diferentes relações que ele mesmo suscita na definição desses dois conceitos: existir e iludir.

      Mas nenhum momento ele nega a existência dessa ilusão, e sim confirma que tal existência é uma não realidade, ou seja, a existência de uma existência ilusória. O que é preciso entender que para o seu sistema nada pode estar fora de Brahman (TOLA; DRAGONETTI, 2002, p. 143).

 

Na tentativa de resumir esses últimos parágrafos: dizemos que o “eu” que reconhece Îshvara como o senhor de todas as causas e como senhor de jîva não conhece a unicidade de Brahman que é resistente a tudo segundo a interpretação de Úaṅkarâchârya. Verdade essa que foi fortalecida nos argumentos interpretativos, onde, lá mesmo, ele combate a não verdade, falando das impossibilidades que qualquer pessoa presa a essa ilusão teria ao querer conhecer Brahman. 

        

         Todo aquele que diz possuir a “capacidade” de ser conhecido entra em um mundo dualista na relação que isso faria entre o sujeito e o objeto[10].

       Se desde o momento que aceitamos que o Absoluto no sistema advaita vedânta pode ser conhecido através dos sentidos direto a Ele, descaracterizaríamos com elegância a verdadeira realidade desse Absoluto.

       Úaṅkarâchârya veio “resgatar” uma tradição que estava se perdendo – a tradição dos veda. Porém ele não apenas “resgata”, mas ele reinterpreta.

 



[1] Um dos deuses da trimúrti (lit. três formas) hindu composta por: Úiva, Vishnu e Brahma.

[2] Hoje o pensador é conhecido por Úrî Adi Úaṅkarâchârya (Adi = primeiro; âchârya = mestre, professor).

[3] A data do seu nascimento é baseada em cálculos tradicionais, referentes aos períodos históricos que marcaram épocas na Índia, principalmente a cisão ou o “fim” das escolas budistas naquele lugar. Gulmini (2007, p. 12) reafirma essa tese na convocação em reunir todas as afirmações e informações possíveis sobre as datas de nascimento de Úaṅkarâchârya baseada na: (...) comunidade acadêmica internacional e também pelos órgãos oficiais do governo indiano.

[4] Diz Zimmer (1997, p. 324) “Guaḍapâda-kârikâ 2. 32. Supõe-se que Guaḍapâda tenha sido o mestre de Govinda que, por sua vez foi mestre de Úaṅkara. Uma tradução de seu comentário (kârikâ), junto com o de  Úaṅkara, sobre esse comentário e a mesma Upaniṣad, encontra-se em Swâmî Nikhilânanda, The Mâṇḍûkyopanishad with Guaḍapâda-kârikâ and Úaṅkara’s commentary, Mysore, 1936, onde a citação acima, Kârikâ 2. 32, aparece na p.136”.

[5] A luz do qual nos referimos é a ideia, ou seja, o nascimento de um saber.

[6] Passaremos a partir de esse instante entender fato por verdade.

[7] Essa relação discípula pode ser encontrada também em (MUKHAYÂNANDA, 1998, p. 17).

[8] Segundo Tola e Dragonetti (2002, p.141) o exercício do sistema que consiste as interpretações de Úaṅkara é responsável por uma linha de pensamento filosófico da Índia que mais se desenvolveu naquela região. Radhakrishnan no volume II do seu livro “Indian philosophy” julga de forma bastante favorável o sistema advaitismo, expressando vários elogios, fica claro, o quanto o Advaita vedânta é importante para filosofia da Índia (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 446. Vol. II).

[9] Gauḍapâda será reconhecido como “o primeiro expoente do advaita vedânta” (RADHAKRISHNAN, 1948, p. 452. Vol. II).

[10] Trataremos mais adiante dessa relação entre sujeito e objeto.

 

ANÁLISE TEXTUAL DO VIVEKA-CÛḌÂMAṆI

 

       O VIVEKA[1] - CÛḌÂMAṆI (A Joia da Suprema Sabedoria) é um texto indiano originalmente escrito em sânscrito, narrado em diálogos entre um mestre e um aluno, atribuído ao santo filósofo Úaṅkarâchârya. Os conceitos que são apresentados diante de todo o dialogo teria uma conclusão decisiva na liberação final do discípulo reconhecendo que tudo em sua volta é Brahman. A única via de acesso a esse conhecimento, segundo o filósofo, é através das eliminações dos envoltórios ilusórios criados principalmente entre a relação do homem com a natureza. Por isso em seu corpo textual são encontradas várias evidências filosófico-espirituais que tratam também dos estabelecimentos principais do Advaita Vedânta.

      São com questões sucessivas relacionadas a ação religiosa e metafisica que o viveka-cûḍâmaṇi objetiva o indivíduo a encontrar a sua liberdade, tudo isso já traduzido na própria relação com o termo “Viveka”,que para a nossa análise ficaremos intrinsecamente com sua forma literária “discriminação”. É no próprio viveka, ou melhor, é na ação de discernir que Úaṅkara descreve o desenvolvimento da faculdade de julgar do homem nessa atividade humana de discriminar os elementos essenciais à vida.

        A ação relativa ao conceito de Viveka confirma a existência de uma luz ao sentido estrito e consciente do homem representado pela capacidade intelectual na acuidade de identificar o que é real e o não real. O homem que não se qualificam a esse processo permanece na eterna construção do saber.

       São esses os meios de conhecimentos (do real e não real) que permite o homem vivenciar, experimentar e compreender a totalidade de seu mundo interior. Moralmente, e, normalmente, a relação atribuída ao sentido da percepção ganha caracteres de certos ou errados, por motivos particularizados pelo sistema de valores morais que funcionam integradamente na aprovação ou desaprovação da real conduta do ser com valores que funcionam pelas próprias intenções de outrem.

       Os conjuntos dessas ideias mudam as atitudes das crenças do indivíduo que tem em comum o mundo que lhe cerca. O processo final do sistema Advaita-vedânta correlacionado à faculdade de julgar vai das eliminações desses erros que são causadas em sua maioria pelo desejo e apego a um mundo ilusório.

      Esse ser relativo jîva (o sujeito conhecedor) ficará preso a “dogmas”, enraizadas na sua cultura fazendo lhe nascer preso em um universo temporal sendo esse o processo em que muitos julgam ser legal a natureza humana: nascer, viver e morrer.

       Tudo isso foi combatido por Úaṅkarâchârya principalmente naquilo que apresenta no viveka-cûḍâmaṇi onde ele fixa bem o processo em discernir o mundo ilusório, que segundo a sua interpretação foi criado pelo não conhecimento da verdadeira essência ou da alma (Âtman), e o mundo Real que só poderá ser conhecido através do desapego a esses “dogmas”.

       Úaṅkara defende a ideia do discernimento como um papel fundamental na construção do conhecimento. O viveka-cûḍâmaṇi é a fonte proeminente dessa decisão principalmente sobre aquilo que prende a natureza do homem ao um mundo ilusório. Contundente a escravidão mental e física.

       Esse pensador com a sua grande devoção ao Eu – “o si mesmo”, reabilita os fundamentos que são propícios a esse autocontrole comungando com a renúncia e o próprio processo de discernimento. Sobretudo, essas iniciativas são como chaves que abrem apenas uma única porta mantendo um equilíbrio sensato entre Brahman e Âtman.

       O pensador Úaṅkara apresenta um ponto importante servindo como base a sua argumentação “teórica”, dentro, claro, do conceito literário “viveka-cûḍâmaṇi” – A joia suprema da sabedoria. Habilitando para isso um desejo não mais desejado que transcenda ao essencial, por isso então esse desejo “não desejado” não teria mais relação com o mundo externo. Mundo esse que foi criado a partir de um conhecimento sensitivo. Precisamos entender que esse mundo externo do qual o sujeito acredita que existe está presente no desfragmento quase imperceptível de Mâyâ onde a realidade subjaz ateada pelo próprio desejo de querer ter ou ser.

     Representaremos abaixo um esquema dentro dos critérios do viveka-cûḍâmaṇi e Mâyâ, aonde o próprio pensador Úaṅkara enfatiza dois termos que ele acredita serem as chaves que abrirá no sujeito a porta ideal para resolução do fim a essa ilusão: desejo do próprio desejo (aquele que habita no ego do ser) e discernimento (do qual trataremos aqui como um desejo por não mais querer desejar). Com isso afirmamos a realização do homem no encontro do “próprio eu”.

     Porém, ele ainda viabiliza para essa unicidade outro termo “atha”, palavra sânscrita que pode ser traduzida entre várias maneiras dependendo apenas do ponto de inclinação que ela se encontra. Ficaremos com duas traduções literárias desse termo: “depois de”, e “agora”.

     Os termos “depois de”e “agora” transitam entre os conceitos desejo e discernimento, ele é não visível (aquele pensamento sem outro que o acompanha), a sua superioridade de inteligência transcende no mecanismo de “migração” entre o mundo irreal para um mundo Real.

      O nosso primeiro passo seria explicar o termo dual (“depois de”), antes de relacioná-lo com o Absoluto, o que para isso não precisamos ir tão longe. O termo em seu sentido próprio remete em sua clareza a ideia de continuidade: depois da noite vem o dia; depois do frio o calor e assim sucessivamente[2]. Deixaremos aqui um desafio: um problema que muitos tentam resolver que é saber se há vida depois da morte?

       Foram questões como essas que fez o pensador Úaṅkara “despertar do sono dogmático”, quando saímos de nossa realidade encontramos resposta para tudo, mas quando permanecemos nessa realidade as respostas não vêm. Simplesmente pelo fato de não existir pergunta e consequentemente não existir resposta. Essa é uma das teses levantadas pelo filósofo Úaṅkara: o “Um” sem resposta e sem pergunta.

      Não é o nosso papel querer definir o Absoluto (Brahman), como também não podemos colocar uma “causa na causalidade” (o efeito de ir [condicionar] e vir [condicionado]). Devemos está ciente das seguintes preposições: essa continuidade é presa ao tempo, já continuar para o viveka é retornar a ser, ou seja, reconhecer o seu próprio Eu (Âtman). Pois Brahman/Âtman “é” livre de qualquer causa ou causalidade.

      Para que de uma forma didática e literária compreendêssemos o que foi dito acima, relacionamos os seguintes passos: Brahman é a sua própria causa, ele é a única causa (atha, lit. agora); Brahman é o saber, e não o que se sabe (atha, lit. agora); Brahman é a vida, e não aquela vida (atha, lit. agora). Por tanto, se ele é a vida, não existe a morte. Mas, o que é Brahman (...)? Deus (...)? Algo ou alguém (...)?

       O pensador Úaṅkara sabe muito bem que é impossível “querer” encontrar uma definição sobre o Absoluto. Para o Advaita o “eu” preso à ideia de querer conhecer o outro “eu”, sem antes não cessar essa relação de sujeito e objeto, ficará submisso a ilusão proferida pelo o Avidyâ (não se conhece “algo” por outro “algo), segundo então a interpretação desse pensador.

      Um outro “algo” por essa linha de raciocínio nos levaria a entrar no simbolismo comparatista: Q é igual a q. Conhecer para o sistema filosófico Advaita é antes de tudo reconhecer que nada conhece. Esse termo conhecer vem junto ao processo de discernimento, Por tanto, não é o “desejo” de querer conhecer, mas absolver esse desejo com a ideia de que não se pode conhecer aquilo que já é conhecido. O agora não é o “aqui agora” – finito, mais sim “o aqui agora” que sempre foi e sempre será – infinito, eterno, atemporal.

 

Segundo Gulmini (2007, p. 26),

 

Brahman não mais designa a palavra ritual dotada de poder cosmogônico[3], e sim o substrato último da existência, inexprimível e inalcançável pelo pensamento logico e pela linguagem por ele articulada.

 

             

         Utilizaremos alguns fragmentos das upaniṣad que assegura os termos acima e as formas de interpretação acerca de Brahman.

 

De fato aquilo que é conhecido como Akâṣa [espaço] é constituído de nome e forma. Aquilo que está além de ambos [nome e forma] é Brahman; é imortal; é a Alma Universal...[...] (Chândoyga-upaniṣad, 8. 14. 1, in: GAMBHÎRÂNANDA, 1997, pp. 667-668. Apud GULMINI, 2007, p. 26).

 

 

A visão não chega lá, nem a fala, nem a mente; não sabemos, não compreendemos como se possa ensiná-lo (kena-upaniṣad, 1. 3, in: GAMBHÎRÂNANDA, 2002, p. 48. Apud GULMINI, 2007, p. 26).

 

          Para Mâyâ o que “existe” é uma relação em circulo entre o sujeito e o objeto nada se realiza. As suas correlações se dão através do ir e vim, e não se completa, justamente pelo fato de todos necessariamente precisarem uns dos outros para existir. Para um mundo dual o pensador Úaṅkara acredita que não possa haver uma hierarquia. O que depende é apenas o ponto exato de quem observa e o que está sendo observado. O que opera essa mecanização é o desejo: o sujeito do qual precisa de algo (objeto) e esse algo que precisa do sujeito para existir.

       Ao trazer o problema de sofrimento do homem para uma discussão em ação cognitiva Úaṅkara apresenta os princípios básicos que servem como apêndice ao Viveka, observe no exemplo ilustrado anteriormente que para o viveka-cûḍâmaṇi a relação entre objeto e sujeito não caminha mais pela necessidade de está relacionado ou ser o que parece ser, pois a via do qual a recuperação do conhecimento traça é o discernimento entre aquilo que verdadeiramente É e aquilo que não é.

       Úaṅkara não escreve o viveka como se fosse outra “doutrina”, ou até mesmo como uma ideia renovadora que florescesse junto ao hinduísmo como um novo conceito sobre “Deus”, do qual ele seria percussor. Simplesmente o texto faz parte de seus trabalhos interpretativos que ele já vinha desenvolvendo há muito tempo[4]. Oápice de sua interpretação é o profundo conhecimento realizado ou revelado diante do exercício em discernir a verdadeira essência do mundo e as falsas percepções que foram criadas ingenuamente pela decisão humana.

        Está ilusão subsiste na ignorância (avidyâ) do homem e na atividade propicia ao viveka conforme como foi apontado por ele: a desmembração do homem à sua categoria ilusória. Por tanto, é preciso ter bastante cuidado numa outra intepretação do que está sendo dito sobre o processo de discernir dentro do Advaita para que o homem da ação (aquele que estará em atividade do viveka) não continue permanecer no erro.

       Seguindo então esse procedimento de esconjuntar essas percepções ilusórias o pensador Úaṅkara não realiza toda essa separação no sentido fiel do termo: pondo de um lado a “Realidade” e do outro lado “a não realidade”. Para a verdadeira separação é a dissolução, é a absorção de toda ilusão à Realidade. A partir deste momento o homem da ação passa a conhecer sua própria identidade, a sua própria alma, o seu próprio eu (Âtman).

        Diante desse primeiro passo gradualmente a solução de inquietação do homem ganhar vigor. A “dissolução” da ilusão mostrará que não existe nada separado da Realidade e isso nos permitiu a entender que na filosofia não dual nada está além de Brahman, ou seja, não existe e nunca existirá outra realidade.

       Ao todo são 580 aforismos que compõem o viveka-cûḍâmaṇi, no texto não encontramos nenhuma divisão que difere de outros escritos. Esses seus aforismos são tratados de formas narrativas onde o filósofo sai apresentando os meios para conquistar a liberação final (Mokúa).

        Úaṅkarâchârya valoriza a importância de seu Mestre-guru Govinda logo na primeira estrofe. O guru se apresenta como o papel fundamental, porém, não é nele que deveríamos encontrar o caminho para aprovação do Eu, o guru é, sim, essencial na formação para esse caminho, pois ele é o instrutor, mas, o caminho só pode ser descoberto pela própria pessoa. Agora como qualquer outro texto de especulação filosófica e religiosa do mundo, na Índia as coisas não são diferente, o viveka é a experiência de vida de Úaṅkara.

       Quando traçamos uma meta e acreditamos que ao final do percurso “venceremos”, já trazemos a ideia de Mâyâ, acreditando ser lá ao final do caminho onde se encontra todas as coisas para as realizações de tudo. O caminhar, por tanto, é ação realizadora de todos esses feitos onde o homem consegue perceber as coisas não reais.

        Úaṅkara reafirma diante de suas interpretações que o homem é conhecedor de um caminho no ato de caminhar, percorrer entre as alamedas é o que ele acredita ser uma prática efetiva do ser, sem interferências externas, tão quanto ficara fácil para esse homem compreender que esse “caminhar” é o próprio Viveka, isso através da relação ativa da ação (caminhar) e dos ensinamentos (o caminho), o processo que Úaṅkara defende em sua tese nasce da relação entre o aluno e o seu mestre guru.

        Srî Govinda – Yogîndra desperta no filósofo o anseio para o fim dessa libertação, Úaṅkara como qualquer outro poderia ficar preso a um mundo criado pela mente humana. As formas que esse filósofo interpreta seus comentários ao viveka são através dos processos de discernimentos entre formas diretas, lúcidas e incisivas.

       Por levarmos em considerações que tudo que permeia o horizonte espiritual ou metafisico, não devemos acreditar que Úaṅkara ao falar de Brâhman/Âtman, estaria relacionando o Advaita Vedânta a um sentido “salvivico”, “teológico” ou mesmo, talvez encontraríamos em todos seus textos termos reconfortantes a um projeto religioso.

       Se Úaṅkara acredita na libertação do homem e todas as circunstâncias que formam apoio a esse plano de salvação, talvez isso seja o que poderíamos pensar em existir para a confirmação dessa liberação, que está no próprio homem, seria fácil em instante compreender que jamais ele afirmaria o Advaita Vedânta como uma religião ou mesmo uma doutrina. Mas sim como um caminho de liberdade não dual da ação racional que procede na dissolução das ilusões que foram sobrepostas à verdade Absoluta que segundo o pensador é Brahman.

       Na maioria dos casos o que acontece é que acreditamos “ilusoriamente” que possa haver uma separação em todos os seres com o resto do mundo. A sustentação da totalidade da verdade para esse filósofo é a certeza que deveríamos ter da existência de todas as coisas em Brahman.

       Os elementos essenciais que acompanham o viveka-cûḍâmaṇi que formam as suas estruturas são todos os dados interpretativos dos veda. Como foi abordado anteriormente não dividimos os veda como algo que de fato começou de novo. Ao exemplo disso teremos os comentários das escolas ortodoxas e a própria upaniṣad que são na verdade interpretações dos veda e não outro sistema ou mesmo outra verdade que difere daquilo que foi revelado no inicio do período histórico da Índia.   

       O viveka-cûḍâmaṇi é a joia preciosa que auxilia a pulcritude da sabedoria a se tornar uma das mais belas coroas no reino da virtude latente da razão. Sua resplandecência ao longe relumbra a pureza da verdade avivada dentro da consciência do Eu, que em busca de sua interioridade (sua identidade) não mais perceberá essa luz ao longe por que ele se reconhece como a própria verdade “Brahman”, ou seja, o fulgor da Realidade.

       A fonte pontual dessa decisão é a realização final na própria manifestação da verdade que ao estabelecer as diferenças entre o que é real e o que não é real, a sua essência esclarecerá a substância verdadeira.

       Afirma o pensador Úaṅkara (1992, p. 30, afor. 47) que a estrutura filosófica (mística) dos veda e a resolução ou porção final da verdade compreensível é alcançada apenas por aquele que compreende o Vedânta. A verdade é apresentada na relação contínua da atividade do julgamento, da identificação do conhecimento, da causa que pode ser aceita como autêntico, e o axioma de toda relação universal como o principio, meio e o fim.

      Nada mais é e nada mais sobra para os processos lógicos dessa filosofia final (Vedânta), o Absoluto é a existência de todas as coisas, pois então anular esse averbamento postulado no viveka-cûḍâmaṇi é participar de um “reinado” dualista. 

      As maneiras pelas quais procedem às contestações defendidas no devir de uma verdade não se calculam na categoria estável e sim, apenas de contemplação, principalmente porque a verdade é uma das virtudes universais bastantes discutidas em todo o universo. Em posse dessa vertente procedemos com algumas categorias preliminares[5]. Diante disso, já estamos cientes que os fenômenos que surgiram fluentemente na Índia serão bastante perspicazes.

      A representação metodológica no período que Úaṅkara “elaborou” o viveka significa expressar uma “memória positiva, única e verdadeira”. Dessa forma ele acreditava que o homem sempre será Brahman: enquanto esse homem reconhecer o Absoluto como Realidade de todas as coisas, isso ocorre na absorção do homem com o seu Eu [Âtman] ao Absoluto [Brahman].

       As suas interpretações que foram todas elas desenvolvidas a cercas das Upaniṣad e através de outros textos fez com que esse filósofo mostrasse que por trás de todas as manifestações ilusórias existisse algo único, imaculado e verdadeiro. Busquemos para essa expressão acolher a realidade presente entre um passado significativo e mutável, não repetindo à exaustão, mais um novo olhar sobre o conceito de “liberdade” (Mokúa), que encontra a sua luz dentro da escola Advaita Vedânta, negando todas as possibilidades de atributos a Brahman.

      Segundo a Kenopaniṣad-bhâṣya[6] a verdade não pode ser atingida pelos órgãos dos sentidos nem mesmo ela pode ser um objeto de interpretação, por exemplo, tudo que é percebido pela palavra na ação da fala entra no âmbito das limitações, isso ocorre pela ideia dos objetos terem sidos impregnados as categorias de qualidade, pois o que é conhecido e revelado como objeto a esse sujeito, o agente da ação no viveka-cûḍâmaṇi, seriam as suas “limitações” que lhe permite permanecer no erro e na ignorância.

      Quando se diz que Brahman foi revelado não se afirma neste enunciado a confirmação que conduziria o homem a realidade. Quando dizemos que conhecemos algo, esse algo que é conhecido é outra coisa do qual suspostamente “digo” se é bom ou ruim, frio ou quente, alto ou baixo e assim sucessivamente. Discussões como estás já foram apresentadas anteriormente no desenvolvimento deste trabalho. Brahman é totalmente diferente do conhecido, pois, o que é conhecido são todas as manifestações predicadas por alguém.

       Agora quando esse alguém (o mesmo que se encontra no processo do viveka) consegue separar todas essas coisas identificando o que é real e não real através da inquietação da alma ele não elimina as condições de qualidade, se isso ocorrer esse sujeito da ação permanece no mesmo erro, acreditando que essas partes eliminadas não são Brahman. O que de fato essas percepções são: uma não verdade. Para que tudo isso fossem manifestado como verdade o homem recalcado de fenômenos temporários, através dos processos da sua mente, dissolve tudo ao próprio Brahman (o Absoluto) que é a essência de todas as coisas.

     Importante ramos aparecem como “partículas” na reformulação sistemática do Vedânta, amplamente indicados nas construções dos diálogos conceituais e intelectuais, neste caso o Advaita Vedânta. Qualquer “interpretação-histórico-exegética” pode correr o risco de nos levar a uma crença religiosa (soberania dogmática), sobre tal momento de Úaṅkara, que descreve de forma concisa no viveka a chave do discernimento humano, que segundo o mesmo é através da dissolução e não separando os homens de sua realidade.

     A ideia de liberdade não transcende preso a uma segunda ou terceira pessoa, para Úaṅkara essas maneiras fogem dos “padrões psicológicos”, o homem tem que buscar no seu interior esse conceito libertando-se das relações fenomênicas e ilusórias.

      O desejo de conhecer (essa outra parte) o Brahmâtman, não parte de uma particularidade: com início ou algo marcado e/ou como uma vontade de conhecer. Esse desejo deve surgir com a maior espontaneidade Brahmâ-jijñas que procede do processo filosófico levando o ser ao caminho do conhecimento. Pois para sua filosofia o homem com o seu desenvolvimento de pensamento (através do discernimento) encontra seu próprio Eu (Âtman).

     É claro que o termo “filosofia” pode gerar uma grande confusão ao pensamento indiano, quando, tentamos, racionaliza-la, com participações cognitivas ocidentalista, daquelas que divide tudo ao seu tempo e ao seu espaço. Mas, quando, utilizamos o termo, para canalizar o processo do qual o homem deve saber o saber, essa ideia de que a filosofia é constituída apenas a um determinado grupo de pessoas cai por terra. O que é então filosofia? Tomando emprestado o termo concluímos que filosofia indiana é um desejo ardente de querer saber, conhecer e viver diante aquilo que aprendeu sempre tendo por base a sabedoria revelada, e isso está presente desde um simples ato até a mais grandiosa atitude que poderíamos pensar. 

     O “Eu” dentro da filosofia Advaita é a essência daquilo mais interno em cada um de nós. Embora isso não seja observado com bastante rigor, Úaṅkara viabiliza um tipo de “conduta” antes mesmo da nossa justificação, como um modo de agir clareando tudo aquilo que na verdade só nos fizeram pensar que somos reais.

      Por outro lado ele explica que a verdadeira essência (o Absoluto) é Real. Mas, só aquele conhecedor da verdade pode encontrar a confirmação universal de Âtman – Brahman, não mais como dois e sim “um sem o segundo”.

     Tão logo a ordem de suas posições filosóficas ao lado da busca da fundamentação ontológica que por um lado envolvida na revelação do Brahman nega todas as possibilidades de conhecimentos por uma via direta ao absoluto. Por outro lado surgem as exigências dessa revelação na eliminação das coisas sobrepostas dificultando o contato do homem com a sua própria natureza.

      Naturalmente essa filosofia nunca deveria ser assegurada por um pensamento antagônico, considerada em sua linguagem e afirmada em duas forças contrárias, colocadas em contextos analíticos, separando-as ambas as partes. Essa tendência corresponderia a uma crise diversificada entre coisas e objetos. Entretanto, deve-se considerar a dissolvência da substância “eliminando” a crença pressuposta preliminarmente da ideia de que o mundo é uma ilusão.  

       Para Úaṅkara o mundo pode existir ou deixar de existir, isso vai depender do estágio de iluminação de cada pessoa que ao observar esse mundo exterior participa da universalidade fenomênica do mesmo, essa pessoa está venerável à impregnação sobreposta a uma falsa percepção. É através do processo de discernimento que se consegue encontrar o si mesmo essa realidade só pode ser compreendida fixa a noção da experiência mística final.

       A alma, o espírito, ou a própria essência através da iluminação, atinge a culminância da consciência transcendental uma vez alcançada essa percepção do “Eu”, também consegue  alcançar a sua própria natureza (o Âtman). Já a ignorância não se fundamenta por princípios alguns podendo desaparecer a qualquer momento. 

     É através de nossa experiência que Âtman permanece puro e transcende a tudo, principalmente ao conhecimento interno e externo do homem. Sendo, por tanto, esses dois conhecimentos (interno e externo), livres a mudança e a alteração.

      Brahman é tudo. A existência. A bem-aventurança. O Absolutismo. Todo conhecimento[7]. Não é possível ter essa concepção fora dele, sendo aparentemente visível a nossa consciência normal. Brahman e o Âtman estão na noção intuitiva do conhecimento, precisamos do estágio de iluminação para “compreender” essa forma existencial no sentido de que todos nós temos certeza que existimos. 

      Quando assumimos o papel de ator e afirmamos que somos tudo ou qualquer coisa subjugadas a valores e qualidades protagonizamos o papel da sobreposição sendo uma das questões inevitáveis, relacionado na afirmação da não dualidade defendida por Úaṅkara.

      Porém, quando essa ideia de ego é dissolvida pela consciência em Brahman às aparências que nos confundiram desapareceram automaticamente.

 

 O universo é uma série ininterrupta de percepções de Brahman, pelo que é em todos os aspectos, mas nada de Brahman. Ver isto com olhos de iluminação e uma mente serena, em todas as circunstâncias. É de quem tem olhos para ver já encontrado em toda qualquer outra coisa, mas formas? De forma similar, o que não é senão Brahman envolver a inteligênciade um homem de realização? (ÚAṄKARA, 1992, p. 186, afor. 520).

 

           Por muitos séculos a tradição do debate oral na Índia sempre foi fundamental para o florescimento filosófico como também para o desenvolvimento das escolas: representados pelo vencedor do debate as escolas campeãs conquistavam adeptos e espaços, aumentando os méritos e popularidades dos mesmos.

         Esses debates eram as continuidades dos ensinamentos herdados pelos Mestres – Gurus, cada escola defendia seu ponto de vista incluindo questões preconcebidas na realização final do homem e sua própria natureza. Esses debates dialógicos afunilariam os desejos humanos que muitas vezes distanciavam os seres pensantes do mundo real, propiciando lhe a cair no erro da ignorância.

      Mas esses mesmos desejos podem ser transformados no encontro com a essência da vida e do conhecimento.

 

O sucesso depende essencialmente de um aspirante qualificado; tempo, o lugar e outros meios tais são apenas auxiliares a este respeito (ÚAṄKARA, 1992, pg. 20, afor. 14).

 

       Ao falarmos de desejo dentro do Advaita Vedânta dizemos que há uma inseparável força que move o nosso espírito ao alcance do Real. Desejo esse que nos ajudaria a acreditar que somos capazes de vencer todos os obstáculos, quebrando barreiras e todas as correntes que nos prendem, com esses obstáculos não haveria esperança para realização do ser.

      Como diz o trecho acima que “o alcançar do objeto depende da qualificação...” não deveríamos pensar em uma qualificação como caráter de atributos, mas uma qualificação conquistada através dos processos de aprendizagens (sentado aos pés dos mestres), onde poderemos nos livrar de todas as nossas vaidades e conceitos pré-formados.

 

Portanto, o que procura a realidade do Âtman deve levar ao raciocínio, depois de devidamente aproximando do Guru - que deve ser o melhor do conhecedor de Brahman, e um oceano de misericórdia(ÚAṄKARA, 1992, p. 20, afor. 15).

 

        Chega-se por conseguinte ao desejo de encontrar o seu próprio eu (Âtman), um desejo que pertence a todos que só é possível, segundo o pensador, apenas pela via negativa, libertando-se das coisas que dificultam ver a realidade. É, portanto, dependente desses aspectos voluntários que Brahman pode ser revelado. Para essa realização precisamos nos libertar primeiramente das “qualidades” oferecidas a tudo afastando-nos dos sentidos impróprios que são solúveis, acarretados da pura ignorância (Avidyâ), nesse aspecto somos levados a acreditar que tudo está perfeito.

      Úaṅkara “reacende” a figura do Guru como importante a esse desejo. Por que nele já se encontra a revelação do Absoluto (Brahmajñâna), o amor infinito e a inspiração da libertação da ilusão.  

       Como um viajante bastante promissor ele conseguiu estabelecer influências edificadoras na sua doutrina através de seus comentários que forneceu a filosofia oriental seu grande jargão, principalmente no que entendemos sobre o Advaita - “não dois” (MUKHYÂNANDA, 1998, P.19).

       Podemos também compreender o significado da essência dessa escola buscando em sua filosofia o principal ponto de partida entre o pensamento cultural indiano e a integridade da consciência que não descreve o mundo invisível, mas sim, resgata aquilo que ao decorrer de sua vida foram descartados e deixados para trás.

       É nessa expectativa filosófica e por esse contexto que o mundo e a mente transcendem a verdade que está no silêncio e que está além das palavras. Fazendo desse que diz ser um homem, um não homem. Agora a realidade foi encontrada. Isso também se torna possível através da “fé” que é uma das qualidades de desejo e do aprendizado filosófico. Um sentimento de puro valor principalmente para aqueles que começam a perceber na vida.

 

Shraddhâ (fé), bhakti (devoção), dhyâna (meditação) e yoga (união) mencionadas pelo Shruti como os fatores imediatos de liberação no caso de quem deseja ser liberto; quem permanece nessa ordem conquista esse desejo, o desejo de se libertar da escravidão do corpo, que é a conjuração da ignorância (avidyâ) - (ÚAṄKARA, 1992, p. 30, afor. 46).

 

        A ordem que Úaṅkara estabelece para nos conectar com a plenitude da vida são: a fé aquela que nos faz sentir a “sensação” de algo Real; a devoção que vem como segundo nessa ordem, pois ela fica encarregada de edificar o nosso interior, segundo o pensador é na devoção que temos o contato físico com aquilo que representa e edifica essa fé.

      A fé e a devoção são as preparações para o nosso sentimento na meditação, a partir deste procedimento que chegamos ao último estágio (yoga), com a união de toda ordem.  

      O funcionamento universal para esse filósofo é identificar aquilo que de verdade é e tudo aquilo que suspostamente que acreditamos serem verdadeiros.Essa grande confusão no qual o homem não carece está ausente em virtude de sua mente por ser tão fértil na utilização da mesma, iniciam-se nos processos de qualidades e adjetivações relacionadas ao próprio conceito do eu segundo o pensador no conceito do Advaita Vedânta é o não eu” que seguem na própria relação de ignorância entre o sujeito e o objeto.

 

 VIVEKA: O PROCESSO DISCRIMINATIVO

 

       Como foi descrito anteriormente de forma parcial os processos de discernimentos não são os meios de descobrir, ou até mesmo, ao final de tais análises afirmar que somos uma nova essência ou uma nova criatura, um ser liberto, principalmente das coisas que nos prendiam ao mundo dual.

       A Verdade Absoluta nunca deixou de participar da vida de ninguém, o que apenas fizemos foi sobrepô-las através de mecanismos ilusórios e elementos sobre essa Verdade. São esses tipos de ilusões que nos tornam escravos de nossas vaidades, principalmente quando pensamos ser diferentes de tudo. É através dessa manifestação ilusória que as causas dos sofrimentos: egoísmo, separação e posse nos levam a crer a existência de uma realidade oposta.

      Para ilustrar esse problema desde a sua origem, até a natureza das coisas o pensador Úaṅkara nos dar uma explicação direta sobre o processo de discernir (Viveka) no formato de uma história: Um homem ao passar por certo objeto e dotado de sua “certeza” ficará imediatamente convencido pelo medo que suspostamente leva-o a crer que esse objeto é uma cobra. O que ele podia fazer neste momento escravizado pelo medo é afastar-se dispensando a realidade de tal coisa. Naturalmente o medo que é uma ideia dualista confirma a sua atividade, o objeto enquanto tal se apresenta a esse homem sempre será um objeto fora da sua natureza.

       No desejo em enfrentar seu medo o homem perceberá que o objeto não é o que suas percepções lhes apresentavam (a cobra é uma corda). Trançados em relações ambíguas, essa é a maneira contínua até o momento do reconhecimento sobreposta sobre a corda, principalmente naquilo que lhe fez pensar ser uma cobra. A cobra não é e nunca foi uma corda, ou seja, a corda sempre foi corda na sua natureza de ser corda.

       Para esse caso não é a natureza de Brahman que o homem terá que conhecer: caminhar por esse caminho em querer encontrar uma verdade na própria verdade, esse que acredita ser capaz disso (de encontrar essa verdade) permanece no grande equivoco, ou para ser mais sensato em Mâyâ: pois será a ilusão que o leva a acreditar ter encontrado outra verdade.

       Aproximar da natureza da corda é perceber que nenhuma cobra existiu e nunca existirá. Distinguem-se mais claramente na relação de discernir é o caminho ideal a liberação final, pensando dessa maneira poderíamos dizer que Brahman é a natureza de todas as coisas, e fazemos parte dessa natureza, isso não como algo a mais, que se completa, mas participando dessa realidade Absoluta como um só sem o outro.

      A discriminação por excelência é a eliminação dos erros sobrepostas na verdade Absoluta. Não é eliminar no sentido de destruir, de construir um novo, ou querer perceber a diferença, é, sim, apenas identificar o que é real e o que é irreal.

      A destruição leva o homem a cair no mesmo erro, ou simplesmente a continuar na mesma ignorância. O mundo e tudo que nele existe é Brahman,se destruímos ou fugimos dessa realidade estaríamos também “tentando” fugir da verdade. Esses erros são todas as formas dos quais caracterizamos como algo, mas esse algo caracterizado por qualquer coisa é Brahman. Além do mais a sua ausência não acontece nas categorias anunciadas como: nome, forma, meu, teu, branco ou azul. É o duplo erro do homem em sua natureza.

      Brahman é o Absoluto? A afirmação dessa categoria não é simplesmente se convencer que conhece a verdade. Para o pensador Úaṅkara palavras são simplesmente palavras e nada mais, elas não são capazes de alcançar a virtude essencial daquilo que foi anunciado. Elas representam e classificam o que quiser, mas não estão presente como essência de tudo. Neste caso a corda sempre foi corda, a sua natureza de corda, enquanto corda, sempre será uma corda. Ela nunca foi uma cobra, nem mesmo quando o homem a o confundiu como uma cobra.

     O importante da filosofia de Úaṅkaraé o desapego e não o apego. Para ser mais claro o homem tem que conhecer intimamente seu próprio eu (Âtman), ele diz que para isso acontecer precisamos negar tudo.

     Segundo Gulmini (2007, p.27), baseada nas Upaniṣad: Chândogya; Kena e Muṇḍaka, textos dos quais trazem em sua fundamentação a porção final do Veda, Úaṅkara esclarece sua teoria não dualista mostrando dois momentos básicos:

 (i)  O homem comum (as distinções de casta não têm aqui nenhuma relevância) é dotado de uma espécie de “ignorância original”: desconhece sua identidade com Brahman, ou seja, desconhece que sua essência ou espírito individual, seu “si-mesmo” (âtman), é da natureza de Brahman, absoluto e imortal. A ignorância prende o homem à roda eterna de nascimento e mortes condicionados (o saṁsâra). A vontade, inerente a todo ser humano, de buscar esse conhecimento na condição de discípulo de um mestre (um guru que tenha alcançado Brahman);

(ii)  Para alcançar o conhecimento de Brahman o homem precisa passar por uma evolução cognitiva e vivencial. Para tal intento, é necessário que compreenda Brahman, comum, e que vivencie sua identidade com Brahman, através das práticas meditativas e psicofísicas do Yoga.

 

       Por tanto, o objetivo da discriminação é a ação determinada a algo determinado, ou seja, a relação proliferada do ego ao suspeitar do erro. O pensador Úaṅkara, acredita que isso só será possível, diante também desses meios apresentados anteriormente em duas etapas.

       A Priori, caracterizamos como um período “revolucionário”, contrários a quaisquer existências “divisíveis”, que levam o homem a crer que suas ideias manifestadas a partir do eu, são integradas de premissas reais. Segundo esse período filosófico da Índia as percepções divisíveis do eu atribuidoras de aspectos são: eu sou isso, você é fulano, isso é meu etc., como ideias subalternas do ego, elas estão enraizadas na ignorância total do homem com o seu próprio mundo, ou com a sua própria existência.

      Poderíamos “afirmar”, baseado preliminarmente na origem da ilusão ou da ignorância, que o medo de forma parcial, ou em sua totalidade, é a causa divulgadora desses princípios elementares (a porta aberta para um mundo de fantasias), criadoras de ideias dualistas na gênese direta da percepção com o mundo sensível (fenômenos) dos quais auxiliam nesse estágio perceptível.

      Para não ser tão promíscuo dizemos de forma intencional, em provocar a descaraterização desse medo e suas origens, que tudo isso é recorrente as outras coisas que provocaram essas sensações de estados afetivos, transformadas em algum perigo (ÚAṄKARA, 1992, p. 19, afor. 12). O medo visto desse plano filosófico é a sensação de uma exterioridade que nos permitem predicamentar raízes que nunca pertenceram a ninguém.

      Retomando todas essas discussões do Viveka-cûḍâmaṇi, o medo para os princípios filosóficos apresentados por Úaṅkara, seria a sobreposição (dualidade) de tudo que é puramente fenomênico a realidade absoluta. Onde ele mesmo afirma que o medo é uma categoria a dois, que a partir do momento que encontramos “a porção final”, que para ele só será possível através do “discernimento” das coisas, passaríamos daquilo dos quais acreditamos ser, para a realidade única e final - Brahman. Jamais haveria espaço para o medo, ou até mesmo para o desejo de ter e querer ser algo.    

     No momento que fixamos a mente para um mundo materialista nos tornamos escravo da ilusão, e através da total “ignorância” passaríamos a imaginar que tudo ao nosso redor possa ser real. Essa falsa-realidade desapareceria a partir dos processos que aqui já foram apresentados, com esse procedimento à ignorância desapareceria e seu papel psicológico de nebulosidade, fazedora de abstração, dissolvia no Eu (à porção final dos vedas).

     Segundo Úaṅkara (1992, p. 201, afor. 572) a libertação da ignorância que impede o verdadeiro Ser (Âtman) é o processo que chegaríamos à liberação final, pois então é compreender que não há uma nova libertação (libertação no sentido estrito do termo), o próprio filósofo fala que essa libertação “alcançada” sempre existiu, estava ela apenas sob a percepção da ignorância onde jamais conseguiríamos enxergá-la preso a Mâyâ.

 

 DE VIVEKA À MOKṢA.

 

         A humanidade interpreta o seu dia-dia, ou a sua vida como um circulo natural (saṃsâra) em que nada é preciso fazer, apenas seguir o ritmo que a vida rege: nascer, viver e morrer, nada é feito para alcançar a libertação. Na maioria dos casos o sujeito que está preso nesse circulo passa a acreditar que a funcionalidade da vida são todos estes reflexos condicionados. As relações que Úaṅkara aponta como o fundamento ilusório entre o homem envolvido sobre este aspecto, a priori, ele o classifica como uma ruina espiritual em que nada brota em seu íntimo, nem na sua própria essência, por causa das constantes faltas de conhecimentos.

       Não levemos em considerações os que muitos julgam como as constituições dos fatos omitidas por Úaṅkara aos deva, sentindo ao anexo dessa virtude as prioridades que esses deuses dão ao homem conforme seus graus de instruções (ÚAṄKARA, 1992, p. 17, afor. 06).  Úaṅkara realiza a sua “crítica” sobre aquilo que conhecemos por acomodações. Os homens não participam diretamente de suas decisões, ficando a mercê das honrarias ofertadas nos rituais. Por tanto, não é tão difícil de perceber que essas “virtudes” prevaleceram apenas a um determinado grupo de pessoas amplamente ao contrário do que diz respeito ao Advaita em que a liberdade não pode ser alcançada fora do homem, mas sim dentro de cada ser, sendo essa liberdade plausível a todos. O objetivo aqui, segundo o argumento de Úaṅkara, não é “sair” e sim “entrar”, não por um sentido literal da palavra, entrar nos fornece o significado de interioriza-se ao seu próprio Eu: no âmago do espirito e da vida (Brahman/Âtman).

       O difícil para o homem alcançar a sua libertação, não se refere à eliminação dos conceitos básicos ilusórios, mas, dos princípios que levam o homem cair na ilusão.

       Quanto à razão na função de julgar é preciso ao certo “conecta-se” com o Eu, não pertencer a essa virtude, é viver como uma espécie nova de fantoches, obscurecendo o seu caminho, vivendo atentas apenas as aparências das coisas, por tampouco, não poderá sentir ou mesmo, não compreender a sua própria essência.

       Ao “Advaita” uma “verdadeira” realidade pura e sem mácula, postulada como única, não pode jamais ser denotada por outra realidade, exclusivamente por não existir outra realidade, a explicar: se isso acontecer uma das “realidades” axiomaticamente não é verdadeira então assim essa “falsa verdade”, que é a não realidade, poderá ser uma forma ilusória de contemplação do mundo irreal, ou melhor, um afastamento também de forma ilusória do mundo real, sobreposta durante a criação da relação do sujeito e objeto.

     A causa da ilusão que impossibilita o homem diferenciar tal premissa, para este contexto é a avidyâ do qual não foi atribuída a nenhum status transcendente. Para o homem que luta contra a correnteza de um rio o mais “fácil” seria ficar pelo caminho, aonde ele não mediria esforço algum ficando preso eternamente aos objetos temporários da vida que foram criadas por sua mente.

     A ação em discernir o real do não real na sua primeira instância teria sim um papel importantíssimo na funcionalidade do seu objetivo, decorrente da função do homem encontrar a sua libertação. Porém, o que vai tornar sustentável a sua conduta é o resultado, pois será ela que realizará Mokúa. Entendemos que para todos os caminhos percorridos, precisa-se chegar normalmente a um determinado lugar (a seu fim), como o resultado da ação de “querer andar” ou mesmo “correr” neste caminho.

       Para o viveka o caminho não teria começo, meio ou fim, por tanto, o seu resultado não se dá em qualquer lugar e sim ao instante em que o homem reconhece a sua verdadeira essência (atha). O resultado é algo que já existe, o que fazemos apenas foi omitir a verdade, nos afastando dela através da criação ilusória formada pela mente humana.

        A relação do mestre guru com o seu aluno-discípulo, continua sendo destaque no Viveka (ÚAṄKARA, 1992, p. 20, afors. 14 e 15), através do contato com o mestre, ao ser instruído pelo Guru o aluno sente-se preparado para reconhecer às formas que o levou a ilusão (Mâyâ).

       Nem todos que mantiveram contato com um Guru poderiam está apto a essa revelação, o resultado que indica a qualificação daquele que “aprendeu” com seu mestre, não é apontado pelo Guru como se fosse dele a verdade, o resultado é o próprio efeito que se manifesta apenas no interior de cada pessoa.

       Todo aquele que indica a sua conduta como resultado positivo, palavreando os seus “mistérios místicos”, são meros protótipos de um conjunto ilusório, por que a ação pelo Viveka-cûḍâmaṇi não se dá pelo desejo criado em função inteiramente humana, ela é uma formação contínua. A falsa percepção é um processo adquirido naquilo que desejamos, a alma almeja talvez o perigo sem está ciente do risco que isso pode ocorre a ela. É tão obvio essa “verdade” que jamais desejaríamos algo que já temos: é querer ter duas vezes? Úaṅkara diz que para o homem que não conhece o seu verdadeiro “eu”, ele busca incessantemente esse que ele acredita ser outro fora de Si, que poderia está em algum lugar, mais nunca dentro dele mesmo.

       As evidências conjuntas de todas as manifestações do homem que deseja conhecer algo novo vão causar sempre uma frustação por nunca haver o resultado imediato ao universo de Mâyâ, pois, o objeto que está sendo desejado, sempre será uma prisão, delimitando o nosso espaço e o nosso tempo. O homem fica preso as suas limitações diante da relação que ele mantiver com esse mundo criado subjetivamente, acreditando numa categoria dual (cada coisa em seu lugar e em seu estado de consciência).

      O filósofo Úaṅkara sabe que não é tão fácil querer se libertar de todas as malhas ilusórias criadas pela mente humana. Como ele sempre destacou no viveka, a presença de um Guru é primordial para a qualificação do homem. O guru já é um ser instruído e possuidor de conhecimento-guia, para deixarmos bem claro essa relação do Guru com o aluno, dizemos que o Guru não é e não indicará o caminho, simplesmente ele entusiasma o seu aluno a seguir a verdade, que é reconhecer o seu mais intimo Eu (Âtman), ou seja, o caminho é o próprio ser.

      O desejo no Viveka-cûḍâmaṇi é “amputado” de decisões, se concretiza apenas pelo fato determinante na realização de alcançar o objetivo da meta suprema. É o querer se libertar dos obstáculos importunos a essa decisão, isso só será possível diante de um conjunto de fatores inspirados principalmente pelo testemunho do mestre-guru. São eles que possuem a magnitude do conhecimento pela a compaixão de um desejo infinito. Esse é o processo que determina o homem identificar sua alma à Brahman, se libertando de todas as condições de “desejos” alheios, exteriorizado pela eficiência de querer somar, de querer ser mais um.

       Na vida como também em quaisquer circunstâncias busquemos sempre nos aperfeiçoar para que nossas atividades sejam cumpridas com sucesso. Metas preparativas nos conduzem ao fundamento final, compreendido dentro do que explica Úaṅkara, não como um ponto que parte de um principio renovador até chegar ao seu fim, mas que seja compreendido como algo que identificamos sem perceber. Para ele essa realização não nasce de um processo de estimulo do querer-vir-a-ser (desejo preso às malhas de Mâyâ), mas de um desejo a Mokúa (o desejo a liberação final), para esse último desejo Úaṅkara acredita ser possível apenas com o viveka.

     Úaṅkara (1992, p. 21, afor. 18) não descarta a possibilidade de uma preparação prévia, ele acredita que os “treinamentos” sirvam como base para o homem adquirir a experiência, só assim talvez este homem seja capaz de exercer o funcionamento do Viveka, consequentemente depois distinguir os elementos que lhe prendeu a Mâyâ.

 

Para todos aqueles que têm discernimento, mantendo-se em equilíbrio com o seu não desejo, procedendo intimamente através de certas distâncias aos desejos devaneios e apegos, trilhará sobre o caminho da verdade, o próprio filósofo acredita que alguém que tem “shama”e outras artes de qualificações, estaria apto a cumprir os processos qualitativos, bem representadas no Viveka-cûḍâmaṇi: Viveka, Vairâgya, Shatsampatti e mumuksutva, o homem aspira pela emancipação, que segundo Úaṅkara são essas as etapas iniciais que faz o homem se apossar da verdade. Deixando de lado todas as possíveis variações que consistem ao homem um universo paralelo (ÚAṄKARA, 1992, p. 21, afor. 17).

 

 A PERCEPÇÃO DO TODO A PARTIR DO PROCESSO DE INTROSPEÇÃO PROFUNDA

 

         São três os aspectos qualitativos que Úaṅkara traz para dentro do discurso no Viveka-cûḍâmaṇi, precisamente são todos eles fatores de extrema importância na qualificação (preparação) do individuo, no processo que lhe determina “discernir” a verdade Absoluta. Destacam-se: Shama[8], Dama[9] e Uparati[10], cada uma delas na sua própria colocação intensifica a precisão dos fatos necessários, que segundo o filósofo, exacerba no que determina o próprio viveka.

      Na postura de suas ações a consciência automaticamente passa de um processo mecânico para uma função totalmente espontânea, sem caso, nada o alterar, por ela mesma está em sua própria condição de agir, sendo ela o próprio “agir”. É como se isoladamente ela percebesse que tudo (o Todo) que o cerca fosse produto de sua natureza, não como sua criação, mas como a união de todas essas coisas, e que essa união não o lhe prendesse mais, tornando- lhe um objeto controlado.

     A concentração da mente é uma das primeiras ferramentas de qualidade apresentada por Úaṅkara no exercício que ele classifica fenomenal, fito ao seu objeto de percepção o individuo na qualidade de controle permanente da mente (Shama) consegue está com ela em perfeita concentração, nada o interrompe e tudo flui em sua primeira instância. A concentração que o filósofo Úaṅkara destaca aqui, não ocorre simplesmente no repouso do corpo ao objeto contemplado. Podendo ser um risco grave nesse espaço de tempo prevalecendo à individualização do objeto ao mesmo tempo a individualização do homem da ação.

      Quando essa concentração passa a ser substituída pela “compreensão”, Úaṅkara diz que o homem agora contém em sua natureza a dissolubilidade do objeto concentrado de forma analítica, o que não pode ser fixo em sua essência, também não pode ser observado em sua real natureza, ficando apenas à aparência do objeto fito a mente concentrada. O homem nesse instante passa a acreditar que o que ele observa é a verdadeira essência do objeto de concentração, cujas referências são o que determina ser: pelo nome, cor, cheiro ou mesmo altura.

      Neste contexto é aparência que nos “informa”, ou melhor, prende o homem/sujeito a sua especial atividade naquilo que se concentra com a mente em repouso, estando apto a conhecer a verdade do que ele observa.

     A palavra condutora para a clareza deste paragrafo é a “compreensão”, Brahman/Âtman não percebido pela palavra nem mesmo por qualquer outra via que faça referência a um valor semântico, ela não pode ser compreendida por ela mesma. A palavra é própria compreensão. A intangibilidade não resta naquilo que é exprimido como verdade, mas em tudo que é a própria verdade, para esse caso a Verdade é a própria essência do ser, segundo o pensador.                  

      Úaṅkara apresenta no Viveka-cûḍâmaṇi que esse erro é causado pela ausência dos controles emocionais, o que segundo o pensador não fornece nenhuma prudência. Julgamos suas partes pelas aparências que nela aparecem, a partir de suas formas e qualidades, passemos a acreditar que tudo que foi criado pela mente são reais. Difícil de ser controladas quando há em nossas mãos a posse desses objetos desejados.

     Compreender o que está sendo observado é entrar em sua natureza comum pelo desejo, a semelhança na causa de ver não pode partir da ideia de conhecer a sua raiz, ou a sua origem, tem que ir além do seu começo, transpor na realidade única que nela existe principalmente e fundamentalmente observar além daquelas coisas que estão “ali”.

       Não podemos pensar como verdade, ou realidade, aquilo que está sendo dado como objeto, apenas pelo fato de que este dado-objeto que aparece (fenomenalmente) como algo, se inclui dentro do conceito de Viveka. Tudo aquilo que não pode ser pensando, tudo aquilo que não pode ser visto pelos olhos, é Brahman. “Ele" ou "Ela" em Brahman não se apresenta como algo (aquilo), a sua essência é o que “É” e não aquilo que queremos que fosse. Na filosofia Advaita Vedânta o próprio pensar é a própria visão, não no sentido que aquilo que está sendo mostrado, apenas como referência ao pensar, seja a sua essência. Nada pode ser adaptado a observação pelo pensamento, guiado apenas pelos órgãos sensoriais, sem antes o sujeito procedente da ação conhecesse a Si mesmo.

        Âtman não faz nenhuma referência a qualquer coisa que podemos pensar ou ver, simplesmente pelo fato dele existir, ele é a relação mais intima que todos têm consigo mesmo, nunca ninguém poderá mudar o fluxo de sua verdade, nem mesma escondê-la de nós.

      O discurso normalmente se repete, mas Úaṅkara faz questão de lembrar que nada pode existir fora da realidade absoluta, como também nada mais pode ser observado através das formas e qualidades que os determinam, e sim pela essência que aquilo tem com o Ser que o observa. Essa essência encontra-se na relação da natureza do homem com o universo que o cerca, até o momento que tais princípios dessa relação não sejam formados no Absoluto, o homem acredita ser “dual”, só depois dessa resolução conjunta a Dualidade não existirá mais. Desprendendo-as de qualquer contato físico com os objetos, esse segundo momento é o que o filósofo Úaṅkara classifica como Dama[11]. Agora com todas as qualidades adquirida gradualmente, tais condições permitem o homem está livre, ausente de todos os envoltórios que lhes prendias, pela competência em atingir a iluminação ao sentido de “renuncia”, ou mesmo, “abnegação”. Todos os objetos são renunciados ao “desfrute dos sentidos”, o desinteresse a semelha-se ao comportamento da mente, cessando o desejo ilusório, podendo ser afirmado através do controle da mente (Uparati).

       Para essa observação Úaṅkara nos dá total consciência do qual possamos compreender que esse processo não nasce entre o fator de um conceito legitimado ao principio de uma vontade. Nunca na busca desse calor do agir, os resultados poderá aparecer de forma completa e imediata, nem tão pouco como uma ideia de querer vir a ser, as mediações apresentadas para o processo que determina o discernir fluem diante de um conjunto de valores desprovidos de quaisquer outros tipos de categorias, condicionado a elevar a natureza das coisas as suas formas de conduta, afirmando-as serem elas verdadeiras.

     Quaisquer tipos de manifestações fenomênicas transmitiram um conceito de ilusão aguçando a sua essência em vários tipos de atributos e de categorias não corrigíveis, principalmente quando pensado fora da realidade.

      A “Realidade” verdadeira que é aquela no qual o filósofo Úaṅkara denomina de Absoluta fica evidente no Viveka-cûḍâmaṇi, quando a total dimensão junto ao homem conhecedor do seu Eu, passa a ter o seu valor. Valor esse que será conjunta às coisas dissolvidas ao Âtman, tornando-a essa verdade ser apenas um.  

      Libertar das ilusões criadas para alguns determinados fins, sem antes perceber que Mâya é causa da dor é continuar a conviver pelo apego da dor. O homem precisa conhecer o seu erro para que através desse contato ele possa decifrar quais são as causas dessa dor. Por tanto, a libertação não irá existir e sim a esperança ilusória de liberdade.

     Usaremos um conceito técnico sânscrito Titikshâ[12], aonde definitivamente o sofrimento causado pelo processo de migração do mundo, criado em circunstâncias as varias ideias ilusórias para a verdade Absoluta, não sofrem nenhum tipo de dor. Este suportar é a própria união do que foi formado no individuo durante os três estágios apresentados por Úaṅkara: Shama, Dama e Uparati. A dor deixaria de existir por que o homem qualificado estaria apto a “suportá-la”, conseguindo identificar as suas causas. O controle da sua mente substitui o mecanismo do desejo, pacientemente ele começa o processo de discernimento entre o real e o não real.

      A esse primeiro estágio o homem sem lamentos consegue entrar no processo do viveka afirmamos que ele foi instruído pelo Mestre-guru através do que lhe foi informado, pois o mesmo passou a acreditar nas revelações das palavras de seu mestre, que para este contexto, afirmaremos que essas revelações é shraddhâ (fé). Todas elas são baseadas nas escrituras, os mestres são preparados para transmitir toda a verdade diante de tudo àquilo que eles viveram a cerca dos veda. Olhar para além das coisas é perceber que há em cada uma dessas coisas uma verdade ainda não revelada, principalmente quando partimos de uma certeza palpável.

         Para Úaṅkara nem o calor, a luz, nem mesmo o sujeito conhecedor do sol existiria, se o que provoca a existência desses também não existisse. Essa metáfora ajuda a compreender que as relações são todas elas de uma extrema funcionalidade, e importante para a veracidade das coisas. Isso é Brahman.

          O sol é sol por que os raios solares são todas extensões do próprio sol; o sol é sol por que o homem ao perceber o calor e a claridade do dia sabe de sua existência e da relação com o fenômeno natural do sol.

        Ele, o homem, conhecedor de seu próprio eu, não passa a acreditar no sol com aqueles formatos apresentados cientificamente: um circulo de fogo vermelho, alaranjado ou amarelo. Uma pessoa sensata, conhecedor de toda verdade, acredita que é o Âtman que torna essa realidade a ser Real, é o que permite a existência do homem, dos raios solares e do próprio sol.

      Relativamente a nossa mente entra em total ação (funcionamento) com os fluxos de pensamentos obtidos entre o contato direto com tudo aquilo que observamos, porque tudo aparece. O “transe” na meditação em samâdhâna não perderá o foco na unidade daquilo que está sendo o guia para meditar, por que a purificação da mente é controlada através da meditação, aprofundando toda relação e fixando constantemente o objeto pela mente.

      Deveríamos perceber essa purificação não mais no sentido que ela se apresenta, fora da conjuntura do Viveka-cûḍâmaṇi, para qualquer termo dito, falado e/ou apresentado, dentro de uma contextualização filosófica, principalmente aquela que o autor utiliza para completar a sua frase, ligando-a ao sentido que ele pretende dar ao assunto, nem sempre entendemos como de fato ele (o autor) pensou em relevar as suas circunstâncias.

      Assim sendo em sentido próprio, deveríamos sempre vigiar o nosso “conhecimento”, para que através dele não confirmarmos uma certeza de algo fazendo dela uma conclusão absoluta edificando o nosso saber.

      A indicação que já temos das palavras todas já formadas em nosso saber cognitivo, predestinadamente estabelecem certas estranhezas principalmente quando em algum sentido na oração não compreendemos o seu significado e a posição que a palavra se encontra na frase, isso geralmente acontece por não pensarmos o sentido das palavras dentro da contextualização de quem a escreveu ou a pronunciou.

      Úaṅkara não só por ter vivido em épocas diferentes, dificultaria a nossa capacidade de compreensão sobre as suas interpretações em defesa ao Advaita. Muito pelo contrario, ele nos possibilita a encontrar os sentidos corretos das palavras, tudo isso por mais variante que fossem as suas significações, ele representa cada uma destas palavras em sua fiel concordância com os termos sânscritos. Agora elas de certa forma nos causaria espanto se não fôssemos tão inteligente de perceber que o que faz elas se tornarem “vivas”, não é as suas interpretações, por haver, em seus termos algo além de todas as significações das palavras.

       Deveríamos sempre ficar atento não no que dizem as palavras, deveríamos ficar atentos no que as palavras são naquilo que elas representam. Purificar dentro do Advaita é está livre de qualquer forma de estranheza, do tipo que é capaz de não ser suficiente a esclarecer os fatos a que vem escravizar a nossa razão, querendo nos dominar ao ponto de nós não percebermos a verdadeira essência das coisas.

      Normalmente as coisas que aparecem no mundo como fenômenos naturais, classificamos, datamos, organizamos de maneiras aglutinadas ao nosso senso comum, que nenhuma outra coisa poderia intervir a essa inferência, até mesmo, que notemos diferenças entre uma coisa ou outra, pertencente ou não ao mesmo grau “familiar”, justificamos apenas pelas semelhanças, julgando-as numa categoria já antes pré-formada no nosso cognitivo, que é o nosso saber-conhecer das coisas.

     Os objetos são sempre representados pelo seu valor semântico, pelos enunciados que simbolizam e caracterizam a afirmação do nosso saber. Ao relacionar cada um desses objetos a sua forma de existência e verdade, não só deixamos de lado as verdadeiras possibilidades que nos dá direito a conhecer a realidade das coisas, como também distanciaríamos as pessoas que nos cercam, de não conhecer essa verdade, principalmente por apresentar a cada uma dessas pessoas uma não verdade.

      A princípio nada dessas coisas representariam a mesma noção de verdade a cada um que observa, pois os objetos que aparecem dependem muito da posição de quem está a observar. Em muitos casos, vários outros fatores serão fundamentais para essa predestinação.

     Noções como clima, tempo, espaço, visões em ângulos diferentes, são condições que possibilitam nas nomeações e qualidades das coisas observadas. Captadas pelo homem ao ponto dele acreditar que o seu conhecimento se dar através dessas nomeações e representações naquilo que em tudo ele ver.

     Úaṅkara radicaliza esse tipo de saber. Para ele conhecer não é apontar para tal objeto e identificá-la pelo nome. Essa seria a maneira mais prática, porém, errada de viver e pensar o mundo, são por esses princípios que Úaṅkara acredita ser a nossa entrada e acomodação ao mundo de fantasia, ou um mundo de ilusão, nos identificando apenas pelas atribuições dos fatos, e, não pela essência (verdades) das coisas.

    O homem ao se relacionar com o mundo projetado (um mundo externo) criado basicamente entre formas e objetos, seria ele a conclusão que define o pensador sobre o conceito de Mâyâ, escravo do seu próprio ego, estando esse homem bem mais propicio a cometer erros do que mesmo identificar o seu “Eu”, aquele que anima as coisas do mundo que o cerca.

    Usaremos agora um exemplo envolvendo uma categoria bastante “incomum” para exemplificar a ideia de “essência”, onde através desse exemplo compreenderemos que para Úaṅkara a essência não se encontra apenas no ser pensante, mas em todas as coisas que esse ser cognoscente se relaciona. Se dissermos que Brahman é a essência de tudo, afirmamos o que Úaṅkara pensa sobre o mundo que o mundo não se resume apenas no homem. Agora para esse homem que auto se projetou ao mundo qual seria a diferença do barro, do oleiro e do jarro?

     Ao tratar do conceito de liberdade e conhecimento junto-a ao Viveka-cûḍâmaṇi, a ligação entre o jarro, barro e o artesão para o filósofo Úaṅkara não existiria diferença alguma. Mas para as pessoas que nomeiam tudo que ver, classificando-a cada uma como categorias ilusórias, fundamentadas apenas em suas aparências, vão sim percebe diferentes detalhes. Ficando assim a afirmação dessas pessoas: o jarro apesar de ser feito de barro, ele não pode ser mais identificado por barro e sim por jarro, e dai sucessivamente.

       Pensemos agora através da análise de Úaṅkara: o barro, a matéria prima que dá vida ao jarro, além disso, projetará o oleiro como um futuro artesão, tem um papel fundamental na construção da essência do jarro. Inadequadamente apenas para as pessoas que andam presas a todas as formas ilusória do mundo. O artesão ao realizar todo o seu processo de fabricação, também tem o papel fundamental nessa construção sobre a verdadeira essência do jarro, teria ele previamente já pensado e arquitetado toda forma (ideia) do jarro em sua mente? É como se a imagem daquele jarro, antes mesmo de existir no mundo-físico, fosse para o oleiro um objeto de forma verdadeira. Como isso seria possível?

     Imaginemos o primeiro jarro do mundo. Claro que para esse debate surgiram vários outros pontos de interpretações filosóficas, do qual cada uma defenderia a sua hipótese, tornando-a verdadeira, fiquemos apenas com a posição levantada e defendida por Úaṅkara ao Advaita Vedânta.

       O jarro não precisa ser jarro para existir ele tem que ser Brahman, ou melhor, ele é Brahman. As evidências da existência de algo não podem ser dadas apenas por sua forma de apresentação, o jarro não é jarro não apenas por ter em seu formato a categoria que o caracteriza como jarro. Existir para Úaṅkara é muito mais do que a presença física das coisas, para ser mais preciso: o jarro para existir precisa unir-se a força de trabalho do homem e de um conjunto de fatores que vem da própria natureza, do qual lhe propicia a se tornar todos esses elementos ao mesmo tempo: a argila, o calor e o próprio o fogo que é essencial nesse processo, a água e entre outras coisas que completam todo o processo final desse jarro.

     O que vem alimentar a ideia de separação são todas as ações de atributos que damos as coisas através desses corpos físicos e etc. O jarro não é o barro, ele pode ter surgido no seu formato físico do barro, mas de onde surgiu o barro? Se fossemos querer compreender gradualmente tudo que compõe o jarro ou o barro, não conseguiríamos chegar a lugar algum. Seria mais fácil procurar entender qual é a essência do jarro, o que é que faz o jarro ser jarro. Agora sim, poderíamos saber que o jarro, barro, o oleiro, água e tudo que consiste no processo universal do jarro são um (inseparáveis).

     A separação do que é o jarro, são algumas das maneiras que nos prendem aos laços de Mâya: a ilusão de um mundo real fora de nós. Através desse mundo passamos a acreditar em determinados momentos que somos totalmente separados um dos outros. Se isso de fato fosse verdade o jarro não seria de barro, o barro não serviria ao oleiro e nem o oleiro precisaria desses dois elementos (jarro e barro) para existir.

     Mumukshutva será o elemento responsável pelo nosso intenso desejo de conhecer a verdadeira essência, ele será o ativador, a aspirar à libertação. Dizemos que Mumukshutva é a parte do “caminho” que nos fornece um esforço constante podendo-a ser feito quando partimos com a consciência em Brahman. Estando ciente disso a nossa Existência auto-se- realiza pelo conhecimento absoluto da felicidade.

     Inerente a essa existência, a “energia” positiva do meu ser continua em sintonia com o Verdadeiro Eu (Âtman), Mumukshutva teria o papel fundamental para o Viveka, por manter essa chama do “Saber” sem nenhuma forma de distração do mundo exterior.

     São através dos processos do conhecimento do nosso próprio eu, e pela quebra de todos os laços de ignorância que Mumukshutva realiza a sua atividade.

      Úaṅkara (1992, p. 24, afor. 29) nos alerta, dando um sinal positivo para a nossa libertação, mesmo ele sabendo que uma pessoa para se desprender das coisas ilusórias, não teria uma atividade fácil. Ele diz que o desejo pode ser a fonte ideal para esse caminho, tanto por um lado positivo como por um lado negativo, a explicar: o desejo pelas coisas materiais é um desejo que nos levaria a cair no erro e nas tentações ilusórias, mas o desejo de querer ser livre tem que ter a ausência desse primeiro desejar aqui apresentado.

     Mumukshutva segundo Úaṅkara é a aspiração à liberação, o intenso desejo de ser livre, não pensemos como um desejo desejado, ele não nasce, por que ele é algo que já existe, ou melhor, inerente a todos. É como se Mumukshutva se mantivesse escondido por causa da presença dos apegos ao mundo ilusório. Todos são capazes de conseguir se livrar das coisas ilusórias, agora todos enfrentarão um caminho árduo e pedregoso.

      Livrar-se de um desejo pode nos levar a ter outro desejo, por fatores um tanto constantes a estás questões procedentes ao Viveka-cûḍâmaṇi. Desejar para o filósofo Úaṅkara não é querer ser, querer ter, ou mesmo buscar, basta apenas entender o verdadeiro sentido da busca ou do próprio desejo. Apesar de que muitas vezes usemos termos que uma pessoa não inserida ao Advaita não compreendia o verdadeiro sentido dessas palavras: Uma pessoa não pode ser aquilo que já é e não pode ter aquilo que ela já tem.

      O termo desejo e o termo viveka (discernir) são duas palavras centrais na “cadência” propicia a Mokúa. Solúvel a essa categoria o homem não cessa a sua mediação entre um termo a outro. Podemos pensar sempre assim, difícil seria afirmar uma cadência sem sugerimos uma sequência gradual das coisas: passo a passo do um aos dois e assim sucessivamente. 

     Com isso vejamos o que diz o aforismo 31 onde Úaṅkara reinterpreta a ausência de desejo de forma concisa e fundamental para a compreensão do verdadeiro Eu:

 

Quando a ausência do desejo e a aspiração pela emancipação são fracas, haverá apenas indicações de shama e das outras qualificações, tal como [ver] a água em uma miragem (ÚAṄKARA, 1992, p. 25, afor. 31).

 

       É normal agente acreditar que nossas capacidades de ver o mundo não nos causaram danos alguns, simplesmente por acharmos que estamos preparados para tudo. O homem que conhece a sua verdadeira essência não precisará perceber a sua capacidade, por ela mesma existir dentro dele, por ela ser, e fazer parte do seu verdadeiro Eu. As miragens do qual Úaṅkara apresenta nesse versículo são toda essa incapacidade ilusória que o homem acredita ter domínio sobre elas, onde de fato são elas as fracas intensidades obtidas e mantidas pelas não verdades que tem força sobre o sujeito que nelas acreditam.

      As pessoas estão sempre preocupadas em nascer e morrer, buscando resposta para tudo e nelas afirmam as suas “sabedorias”, segundo Azevedo o que devemos fazer é,

 

(...) meditar profundamente no sentido desse versículo, até que a resposta sem palavras sobrevenha (Azevedo comentários In: ÚAṄKARA, 1992, p. 25, afor. 31).

 

     No aforismo 32 Azevedo faz um comentário com bastante vigor a um dos instrumentos que o próprio Úaṅkara fundamenta com crédito ao caminho em discerni a verdadeira essência das coisas e as formas ilusórias, que persistem existir, principalmente para aqueles que não conseguem se livra dessas formas.

      Azevedo então reafirma o que foi dito pelo filósofo Úaṅkara dizendo que “A devoção é um ato de dedicação a algo”. Por tanto, Úaṅkara sempre destacou esse algo como Real. Não se foge da verdade, é dessas coisas que Úaṅkara vem levantando e defendo nos seus comentários aos textos das Upaniṣad. Ficar preso no mundo da ignorância não é está longe de Brahman. Todo aquele que não conhece a verdade é como um cego que tem certeza que ele faz parte desse mundo, mas não pode partilhar essa sua certeza com as coisas que lhe cercam.

      Da mesma maneira que um homem que vê pode conhecer a verdade Absoluta, uma pessoa que não consegue enxergar o mundo como (como fenômeno), pode ficar preso a uma ilusão, como também pode conhecer Brahman. Não são os objetos que aparecem em sua realidade, e sim o importante é perceber o âmago de todos esses objetos, ou seja, a essência que da vida as coisas. Ele é tudo aquilo que os nossos olhos não podem ver, que não se pode tocar e nem dele falar. O algo então não pode ser pensando na sua materialização, esse algo que foi encontrado pela devoção (bhakti) é a natureza das coisas. O eu para o filósofo Úaṅkara é imaculado, não por ser santo (ele não é separado), mas por ser o verdadeiro Eu (Âtman).

       Muito embora o que faz as coisas acontecerem é a aproximação e o domínio sobre seus atos, não diferente seria se ao ter todas essas confirmações o mundo antecipassem as suas realidades. Neste caso então, apareceria o papel do Guru para a essa função de discernimento. A sua orientação versada nas escrituras, apontada por Úaṅkara, permitiria todas as condições possíveis do homem através do seu contato com o seu mestre e a conseguir o estágio maior, que para ele seria a libertação através do conhecimento e do seu próprio Eu (ÚAṄKARA 1992, p. 26, afor. 34).

     A verdadeira experiência alcançada pelo mestre-guru, jamais poderá ser usado como instrumento de orgulho. Um Guru nunca será aquele que auto se intitula como Guru. O sábio não é sábio considerado apenas pela a sua afirmação, o verdadeiro sábio é aquele desprovido de todo tipo de orgulho, ele será reconhecido pelas suas benéficas atitudes. O homem inteligente capaz de conhecer a verdade não é aquele que faz pergunta, e sim, todo aquele que não necessita perguntar.

     Úaṅkara acredita que cada um depois de “qualificado” pode ser o seu próprio Guru, essa revelação não se encontra fora de ninguém. Seríamos nós que projetaríamos a nossa própria libertação, conduzindo-a em auxilio imediato com as nossas experiências adquiridas aos nossos primeiros contatos com o mestre? O único refúgio que nos permite fugir definitivamente do Karma é apontado pelo Guru através de sua própria experiência e sabedoria. Porém esse lugar não é, mas em templos, e sim, aos meios de grupos de meditações, indicado pelo verdadeiro mestre, como algo que só pode ser encontrado pela própria pessoa.

     O Guru é todo aquele que ajuda as pessoas a encontrar o caminho da verdade, Úaṅkara (1992, p. 28, afor. 39) reafirma dizendo que:

 

 Os grandes seres pacificados vivem regenerando o mundo como a primavera que se aproxima e, tendo cruzado o oceano da existência corporificada, auxiliam aqueles que tentam fazer o mesmo, sem qualquer motivo pessoal.

 

 

        Um mestre é pacifico, sua grande alma é repleta de sublime amor, o mestre não dá nada em troca, a única recompensa que lhe alegraria, seria que as suas habilidades apresentadas ao seu aluno, se concretizasse na realização final (Advaita Vedânta), o aluno encontra o seu verdadeiro sentido.

      Para esse objetivo e esse encontro a presença de um Guru personificado não existiria mais, transcendendo através da essência (verdade) deixada por este mestre ao seu aluno. O caminho da libertação (o caminhar) sempre terá a presença do Guru através daquilo que podemos sentir como a própria essência do Absoluto (Brahman).

     Temos sempre consciência dos problemas que nos prendem a essa não verdade, construída pela nossa própria ignorância. São várias formas de ver e interpretar o mundo que dificultam o abandono dessas ilusões. É como se imaginar está preso em um sono profundo e que dele você soubesse que jamais conseguiria acorda, isso para o advaita significa não existir, a dificuldade de caminhar se confirma aqui neste parágrafo. Todo aquele que busca querer conhecer a verdade que é Brahman, formulado no processo conceitual das representações, em que os objetos se apresentam, não conseguirá sair dessa vida que leva a morte, vislumbrando a verdadeira luz da verdade.

     O Guru sempre vai está atento as nossas necessidades, ele nunca irá nos abandonar. Podemos configurá-los como o Karuna a Brahman, isso apenas para que tenhamos ideia do quanto esse ser iluminado é importante nesta transição, principalmente na medida em que este homem busca conhecer a sua própria identidade. O Mestre-Guru está sempre de prontidão, apto a nos amparar de tudo e todas as coisas que podem nos levar a sofrer.

    Por tanto não tenhamos medo, por mais que seja difícil, não é impossível, por mais que perigoso que seja à travessia de algum lugar, sempre haverá durante o caminho um apoio de quem ali já passou.

    Não só a escravidão como também a libertação não são subjetivas, Úaṅkara diz que todo aquele que vive preso à escuridão não está sozinho, por que todas as pessoas que o cercam seriam contaminadas pela falta de sabedoria, por não conhecer o bem supremo (Brahman).

     Um dos eixos centrais abordados por Úaṅkara ao Viveka-cûḍâmaṇi é o discernimento entre a verdade e a não verdade, tais coisas que foram criadas pelo homem consideradas uma vertente ilusória é apresentado pelo filósofo Úaṅkara como meras concepções desejosas ao ego humano. Podendo-se aplicar a esse mesmo princípio numa compreensão do desenvolvimento de Úaṅkara como uma questão do conhecimento ao seu próprio Eu.

     Este seria um ponto, que ao mesmo tempo, foi bem desenvolvido pelo mesmo processo de discernimento, que daria ao homem uma nova oportunidade de conhecer a verdade Absoluta (Brahmâtman), a superação é um ato de grande valor ao próprio homem, primeiramente por entendermos que o homem sem conhecer a verdade, seria incapaz de se realizar, a não verdade implicaria a falta de liberdade. Comum seria dizer que toda a não verdade é como uma folha seca ao chão que ao ser levada pelo vento pode ser encontrada junto-a outra árvore, sendo ela identificada como uma folha que acaba de cair desta segunda árvore. Esse caráter ilusório, totalmente impossível, é tratado com bastante rigor ao viveka por Úaṅkara: o homem que não conhece a verdade ele dificilmente conseguira a sua liberdade.

     O homem é o único responsável em buscar a verdade, para o filósofo Úaṅkara essa verdade é o próprio Eu. Esse “Eu” não é uma ideia construída para ser pensada além de uma subjetividade, onde o seu princípio possa ter sido Brahman. Se isso for afirmado, teríamos à sua esfera, um absoluto com características de um deus finito, principalmente por ser personificado, pensado e nomeado.

    Brahman para o pensador indiano Úaṅkara não é um deus-pessoal, do qual precisamos rezar, como uma forma de devoção dentro do sentido lato-comum religioso, ao modelo ocidentalista. Bem mais autêntico ao senso comum, quando se fala em Brahman/Âtman e Absoluto preservarmos a imagem de um ser que habita bem longe de nós, por mais que nos permitam ser livres precisaríamos de sua permissão para tudo.

     O Eu não é o eu como uma pessoa comum que pensa ou afirma está feliz ou triste. O Eu é a própria existência de Brahmâtman.

     Não podemos classificar este Absoluto como o mais poderoso. Por esse caminho cairíamos no mundo dual onde pensaríamos em “par”, como algo a dois, e esse dois ficará isoladamente, cada um deles no seu lugar, essa é uma das sensações que nos permite dizer que somos o não outro.

     Úaṅkara (1992, p. 34, afor. 58) faz fortes críticas violentas a algumas escolas ou pensamentos da Índia tomando por base a não projeção direta do Absoluto. Segundo ele são essas vias que nos separa ilusoriamente da verdade como uma omissão da nossa própria liberdade.

     Ele julga alguns movimentos práticos da Índia, como a própria tradição ortodoxa dos Veda que sempre se utilizavam dos ritos em gerais para o funcionamento da verdade, como impróprias quando não são executadas em sua essência. Úaṅkara trata essas não práticas como uma esteira circular, onde as pessoas ficavam sempre a acreditar numa verdade que de fato nunca existiu. Andando sem sair do lugar, esse é um caso de perigo abordado pelo filósofo entre o não acontecimento dessa verdade.

    O debate entre algumas questões sobre quem é capaz de conhecer o seu Eu, enfatizava aos sistemas filosóficos ortodoxos da Índia uma realidade não apurada, consumada, para assim dizer, favorecida apenas a uma classe social. Não abriríamos aqui uma série de discussões sobre esse jogo político ou não, onde poderíamos pensar que Úaṅkara vem combater fortemente essa prática “oligárquica” no hinduísmo.

     Não é essa nossa intensão julgar os fatos com essas conjunções, querendo reunir esses fatos e deles também querer fazer a nossa visão crítica. O filósofo ao dizer que a liberdade não depende de conceitos de beleza e nem de riqueza ele apenas tenta esclarecer (i) que todos podem encontrar a sua própria verdade e automaticamente a sua liberdade; (ii) não é preciso nem um tipo de grau de instrução, a não ser as qualificações apresentadas pelo seu Guru que é totalmente diferente de uma ideia pedagógica apesar de ser tratada assim, ou seja, conhecer a verdade não depende de uma boa formação educacional e sim “espiritual” (ÚAṄKARA, 1992, p. 34, afor. 60).

     O que para nós adianta conhecer os ensinamentos das escrituras védicas, apenas transformadas como informações letradas, se não a utilizamos como bem aventurança da alma? Outro ponto da polêmica refere-se ao apego as escrituras. Segundo o filósofo Úaṅkara (1992, p. 35, afor. 63) a utilidade dos veda como leitura serve apenas como informação do que são as coisas e não simplesmente a natureza verdadeira dessas coisas.

    As vastas informações servem apenas para que preenchêssemos a nossa memória de lembranças e que ao meio de um labirinto não conseguiríamos decifrar ou encontrar o caminho certo. O que transforma o homem a um ser liberto não é apenas conhecer teoricamente, e sim saber o que é que está sendo conhecido, isso só pode ser possível pela sabedoria. Esta sabedoria não deve ser pensada aqui como conquista que foi moldada aos poucos até chegar ao entendimento geral, conhecer é saber que Brahman é a própria sabedoria.

    As palavras que são anunciadas não resultariam a qualquer objetivo ao Advaita, se não no espírito das coisas anunciadas ela não gerasse a verdade, não apenas por ser dita, mais encontrada no momento de sua apresentação, a revelação desvendada por um sábio não é palavras, e, sim ação. Se todo aquele que acredita apenas nas coisas que são ditas esse não seria capaz de ver ou entender por que essas palavras ou essas coisas foram ditas.

    O homem pode dizer ao mundo inteiro quem ele é, ou até mesmo o que ele faz, sem apresentar nenhuma evidência convicta a essa sua afirmação. Todo ato de fala sem que haja por traz uma ação de conduta para essa afirmação, passaria apenas de uma ideia fictícia, criada em sua maioria por questões particulares. Não podemos dizer que descobrimos algo sem antes não passarmos pelo processo que validaria a existência desse algo, esse é o processo que nos levariam a afirmar pela palavra o que é esse algo. São várias as maneiras para se chegar ao conhecimento, você não tem que optar por uma delas e sim segui-las uma por uma, como uma construção do próprio saber.

     Não podemos falar daquilo que não conhecemos como também não podemos conhecer aquilo que foi dito, sem antes mesmos não tivéssemos tido algum tipo de experiência com o que está sendo anunciado. Incontestavelmente a relação do locutor e a locução parecem ser óbvias neste comentário acerca dessa relação conjunta. Levando em consideração a interpretação do pensador Úaṅkara para esse tipo de associação, que segundo o mesmo afirma que não podemos conhecer Brahman pelas palavras (ouvindo ou falando delas), as palavras segundo esse pensador identifica apenas o que está fora do ser.

     Dizemos que a não dualidade nestas estâncias é o não conhecer, é o não falar e é saber que não se fala daquilo que não se pode conhecer através da fala. É como se quiséssemos descrever o vento dizendo de onde ele vem e para onde ele vai, ou até mesmo falar sobre as suas forças levando em consideração os fenômenos que acontecem no ato de suas manifestações, apenas usando a experiência cientifica e geográfica. Isso é incoerente ao sistema não dual do pensador Úaṅkara.

    Investigar não é apenas observar ao longe aquilo que será analisado, criando várias hipóteses de verdade sobre tal, dizendo o que é e o que pode ser apenas pelo cheiro, cor, altura, tamanho e etc. Investigar é ir muito mais além das maneiras que as coisas são apresentadas. É querer está penetrado nas formas e nas semelhanças, apurando todos os fatos que foram ditos e todos os fatos que não são mostrados.

    Ouvir é fundamental ao Viveka-cûḍâmaṇi, mais como um processo inicial, por tanto é preciso ir muito mais além do que foi dito e captado pelo órgão que nos permite ouvir. Precisamos trazer o que se pensa para junto daquilo que está fora, como por exemplo, todo conceito de verdade.

    Quando Úaṅkara (1992, p.35) faz a pergunta sobre o valor utilitário dos veda para revelação da verdade, isso fica bem claro no aforismo 63, que ele não vem condenar a tradição védica, nem tão pouca os próprios textos dos veda, como textos inválidos a essa grande descoberta que só funcionaria como depósito de informação. O que ele quer suscitar são questões de imposições importantíssimas a favor da verdade, aquilo que se encontra além das palavras contidas nesse escrito, a sua crítica é ao conceito de verdade: há pessoas que acreditam que poderiam conhecer todos os ensinamentos dos veda (a verdade suprema), apenas pelos textos dessa tradição e não pela vivência do mesmo.

    Questões como essas são de extrema funcionalidade ao sentido próprio dos textos védicos. Já no aforismo 72 ele diz que é necessário todas essas sabedorias e informações como aplicação pedagógica desse conhecimento. Todos precisam estudar para que possam ser livre de todos os apegos não convencionais a uma vida não dual (ÚAṄKARA, 1992, p.38).

    O objeto que deve ser encontrado nos veda não são os ensinamentos que de forma didática conduziria o homem a querer conhecer apenas o que está escrito nos textos sagrados, isso é um fator comum do aprendizado. Úaṅkara não acredita numa possibilidade sequencial de ordem ritualística para obtenção desse conhecimento, à investigação de Brahman, que de forma necessária cada um deveria seguir determinados passos para o alcance dessa verdade (DÍAZ, 2000, p. 37). Não que para isso teríamos que entender que haja uma confusão na resolução do ato de conhecer através dos ensinamentos de um mestre.

    O que poderíamos entender segundo a interpretação desse filósofo é que o importante nos veda não é o que lá está escrito, ou que foi ensinado na forma prática de ouvir. E, sim o que nós ouvimos e sentimos no momento que esse fenômeno ocorre, ou seja, é tudo aquilo que vem além do ato de ensinar e de aprender, é o que transcendem das palavras.

    Úaṅkara interpretou textos fantásticos das Upaniṣad e outros escritos da tradição védica. O que para nós ocidentalistas soa como uma magnifica façanha, para ele e seus mestres, isso seria apenas uma prova de que alguém conseguiu se desapegar do mundo não real, desligando-se de todos os tipos de ilusões criadas pela mente ao se relacionar com esse mundo, em que muitos acreditam existir fora de Brahman, a saber, um mundo externo.

 

Os cincos sentidos são os que nos permite ter acesso a esse mundo externo, segundo Azevedo (comentários in: ÚAṄKARA, 1992, p.39, afor. 76):

 

      Os sentidos são as portas para esse exterior... Deles nasce a sensação do isolamento, da separatividade. Mas é também através de sua ação que o homem realizado atua no mundo.

       Para Úaṅkara qualquer tipo de rito sem a instrução de um verdadeiro mestre, aquele que fica preso apenas a sequências e regras, submeteriam ao homem uma permanência a escravidão. Quando hoje observamos qualquer imagem desse filósofo[13] encontramos sempre ao seu redor grupos de pessoas, discípulos, atenciosamente a ouvir as suas palavras, muito embora tenhamos uma resposta para isso, buscando a leitura da interpretação literária do termo Upaniṣad [14] (os discípulos aos pés do mestre) para aprender como conhecer a verdade.

      Os textos atribuídos a Úaṅkara nos revela outra coisa, não descartando essa possibilidade “Upaniṣadico”, mas complementando o seu teor através da concentração, respeito e dedicação ao que está sendo ouvido e ensinado pelo seu mestre.

       A veracidade de tudo que ocorre no mundo segundo o Advaita é Brahman. O que seria então os devas na concepção filosófica de Úaṅkara e do próprio Advaita Vedânta? Segundo o filósofo mergulhar na verdade contida nas palavras dos veda é permanecer em plena harmonia com todos os mecanismos de verdade existentes nas escrituras. Muito embora algumas pessoas pensem apenas em estudar e ficar só com as palavras, e delas fazê-las um voto de fidelidade, para esse pensador teria um sentido contrário ao de quem vivem muitos nessa ilusão, fantasiada pela ideia dual em Mâyâ. Não seria algo programado pré-estabelecido a um determinado momento, porém, atemporal, muito mais além de tudo que pode ser visto, pensado ou até mesmo de tudo que pode ser lido nos livros.

      Mergulhar é perceber que toda a verdade estaria dentro do seu próprio “Eu”, é acreditar e, passar a ser o que está além das palavras, não querendo compreender o que diz as escrituras, porque segundo o pensador você é a própria compreensão, ou melhor, a própria escritura.

    Conhecer a verdade é dissolver todos os princípios ilusórios que formam a dualidade do mundo, a uma única verdade Absoluta (Brahman). Segundo Gulmini (2007, p. 33) para esse conhecimento “pressupõe a redução das categorias duais a uma unidade subjacente, como exemplifica esta outra passagem”.

 

 Aquele que cultuam a ignorância {avidyâ} entram em escuridão cegadora; e em escuridão ainda maior entram aqueles que cultuam a sabedoria {vidyâ}.

 

Dizem que pela sabedoria um resultado diferente é adquirido; outro resultado diferente pela ignorância. Assim ouvimos dos antigos, que nos ensinaram.

 

O que conhece esses dois, sabedoria e ignorância, juntos, alcança a imortalidade pela sabedoria, ao atravessar a morte pela ignorância.

 

Aqueles que cultuam o imanifesto {asambhûti} entram em escuridão cegadora; e em escuridão ainda maior [entram] os que cultuam o manifesto {sambhûti} e a destruição {vinâúa}, juntos, alcança a imortalidade pelo manifesto, ao atravessar a morte pela destruição (Îúa-upaniṣad, 1.9-14; ibid., pág. 19-25. Apud GULMINI, 2007, pág. 34).

 

       A partir do instante que alguém deseja querer ser ou querer entender, esse alguém se limita a esse seu desejo, por ele está completamente enganado por suas próprias ilusões, ilusões dos quais lhes proporcionam a se afastar da verdade.

      Interessante observar que Úaṅkara conscientemente edifica o conceito de discernir baseado no que ele acredita ser aquilo que todos traziam desde criancinha no cognitivo. Herdado por um costume habitual, emocional e familiar, o pensador Úaṅkara acredita nas possibilidades de uma total capacidade de discernimento que é inerente a todos, em que sabemos pela própria intuição: o que é bom para mim é bom para os outros. Uma criança ao nascer, logicamente ela não saberia discernir as coisas que poderiam machucá-las das outras coisas boas, favoráveis a sua vida.

      Como sentença pronunciada pelo Viveka a ideia em discernir a verdade é conhecer a Verdade, isso torna-se possível desapegando de tudo que faz o homem sofrer. Usaremos um exemplo tomando por base uma criança: O que seria a verdade para uma criança? Seriam aquelas proteções usadas nas tomadas das paredes, dos quais evitariam choques elétricos, ou seria o próprio choque?[15] Vamos criar uma cena de um fato quase comum: vamos supor que essa criança já consiga entender o que está sendo dito pelos seus pais, e, em um momento essa criança é alertada, que aquele espaço na parede da casa não pode ser explorado, por que se isso acontecer ela poderá sofrer uma terrível dor. Claramente, essa criança ignora aquele espaço, evitando o acesso àquela parede, sabendo, claro, qual o risco que ela poderia correr, mas o que foi mostrado a ela: a verdade sobre o que é o choque (a própria dor) ou a prevenção desse choque (as proteções que evitam o choque: a não dor)?

     Enquanto essa criança não descobrir o que pode lhe causa dor, como o próprio choque (para esse caso o choque é a verdade anunciada, pois ela é a própria dor), ela sempre ficará iludida pela proteção usada por seus pais naquilo que poderia evitar aquela dor, livrando-a de qualquer perigo. No momento em que ela não ver mais a proteção do choque, aquilo que fazia ela não sentir dor, ela passa a acreditar que o perigo não estaria mais presente ali. Se a verdade fosse revelada desde começo pelos seus pais, ela, a criança, com proteção ou não, jamais ousaria querer ter contato direto com aquele objeto ou aquele outro lado da parede. O choque para esse caso não estava sendo evitado, o choque estava sendo omitido, sobreposta por uma categoria ou coisa onde nunca cessava a dor, do choque.

      Isso para o filósofo Úaṅkara é saber discerni a verdade da não verdade[16], o que causa a dor é acreditar que estamos sempre protegidos, longes dos perigos do mundo, o que não causa dor é livrar-se de todas as imaginações possíveis, saber que não existe dor, claro isso entrando na existência da Realidade: o choque. Não usaríamos do efeito da dor que causa um choque para que ao experimentá-lo a criança fosse capaz de discernir entre a verdade e a não verdade (o que é que causa dor e não dor?) e nem tão pouco acreditar que o choque/dor é uma realidade.

      Simplesmente utilizamos da metáfora e das suas propriedades para explicar que a nossa proteção não se encontra fora de nós, ela é interna, é o próprio Eu. Quem não conhece o si mesmo não consegue conhecer o que lhe protege. A questão para este exemplo é o que sobrepôs à verdade. Por tanto, o choque é a “verdade” da dor e não os objetos que evitam essa dor. Agora transferindo tudo isso para o processo de análise do pensador Úaṅkara, a relação do exemplo acima se converte da seguinte maneira: o apego, a dualidade e a ilusão causam sofrimento e dor, para este caso o nosso contato não seria com a dor ou com o sofrimento, deveríamos entender que não há dor e não há sofrimento na categoria não dualista.

      Questões divergentes podem ser pensadas aqui da seguinte maneira: se digo que Brahman é tudo esse tudo que digo ser Brahman quem é? Alguém que me protege? Mas me proteger de quê e de quem? Vejam que a problemática para o discurso do Advaita tem em seus refrãos implicações metafisicas, existencialista e categoricamente não dualista. Não podemos conhecer o mundo e nem o Ser por formas e normas. Brahman não pode ser conhecido, por ele mesmo ser a própria essência, não de tudo, por que o tudo não existe, Brahman É o Todo.

 

 KÂMA: IGNORÂNCIA DO SI MESMO E REFORÇAMENTO DA AUTOILUSÃO

 

      Úaṅkara faz uma interpretação aludindo os princípios característicos dos nossos sentidos acerca de alguns exemplos no contexto natural de sobrevivência da natureza. Do mesmo modo que os órgãos dos nossos sentidos podem facilitar a nossa compreensão acerca da verdade também pode nos atrair ao erro. Na maioria dos casos somos atraídos por algum tipo de beleza, onde não seriamos capazes de nos livrar do seu encanto. Como um peixe atraído pela isca no fundo do mar que o leva a morte. Somos às vezes atraídos para o erro por falta do não conhecimento da verdade. As mariposas nunca seriam atraídas pela chama do fogo se todas elas soubessem que aquelas chamas lhes levariam a morte.

     O forte desejo que temos pelos objetos externos são que nos prendem a Mâyâ, para que possamos livrar-se desses indícios, objetivados naturalmente pela ideia de posse e apego, o homem teria que meditar sobre a verdade Absoluta. Outro fator decisivo é ouvir (úruti) os que os mestres têm a dizer sobre isso (smṛti), seria através do que foi dito, que o homem capacitado, meditaria sobre todas as formas de ensinamentos e sabedoria. Para Úaṅkara meditar não seria programar um momento e, acreditar que aquele momento seria especial para conhecer a verdade do mundo (o aqui e agora não é isso). Úaṅkara diz que conhecer a verdade é ficar em plena contemplação com o Absoluto, isso significa que todo aquele que conseguiu encontra o seu “Eu” jamais se desligaria dessa verdade, por tanto, estaria ele em uma eterna concentração com Brahman.

    Todos aqueles que afirmam conhecer o mundo são na verdade carentes do verdadeiro saber. O saber não é uma conquista que ao final receberíamos um prêmio por ter tido em razões súplicas conhecidos a sua face. A verdade não está distante de nós, como se para alcançá-la precisaríamos nos deslocar até a sua posição.

     Por tanto não é desejando que se conheça a verdade. Aquele que acredita na existência de um querer saber não passa de uma pessoa atraída por uma não verdade, é o que Úaṅkara (1992, p. 41, afor. 81) aponta em determinados momentos sobre o principio de ilusão,

 

Aqueles que estão somente sentimentalmente desejosos de liberação e apenas aparentemente livres da paixão, buscando cruzar o oceano da existência condicionada [saṃsâra], são capturados pelo “tubarão” do desejo, seguros pelo pescoço e forçosamente tragados e afogados.

 

  Azevedo (Comentários in: ÚAṄKARA 1992, p. 41, afor. 81) a esse aforismo diz:

 

 Entretanto, a liberação é algo muito sério e profundo que exige de nós uma total dedicação.

       Agora vejamos outro aforismo em que o pensador Úaṅkara, (1992, p. 42, afor. 82) fala sobre o dever que é sempre antes de tudo, nos livrar do desejo, de querer ser e querer conhecer.

 

 Somente aquele que mata o ‘tubarão’ do desejo com a espada do supremo desapaixonamento atinge, sem obstáculo, o outro lado do oceano da existência condicionada.

 

       Desejar-nos leva a morte, a prisão, a permanência eterna do giro da vida, uma ida e uma volta. É preciso ter equilíbrio na vida para perceber o quanto às coisas do mundo podem nos dar a ilusão de verdade. Aquele que vive em vigília nunca será enganado pelo desejo.

      Paradoxalmente o suicido é a porta para conhecer o verdadeiro “Eu” através da eliminação das coisas condicionadas a metafisica do mundo ilusório. Mergulhar no oceano do saber, sem antes ter tido uma preparação (qualificação) aos pés do mestre, é fica preso no desespero espiritual da vida, ou seja, é se afoga no oceano da escravidão e do apego.

      A verdade Absoluta não engana, mas, quando a ela somos submetidos a comparações, o homem pode pensar que todos os atributos a essa verdade são reais. É como olhar um espelho e dizer que o reflexo apresentado a sua frente é a sua verdadeira essência. O espelho pode ser pensado aqui como tudo que imaginamos ser, meios dos quais a existência do mundo corresponde. Quando nada disso corresponde à conduta fiel do verdadeiro saber e do verdadeiro conhecer, estaríamos frequentemente nos matando. Morte para o filósofo Úaṅkara é o não conhecimento de sua verdadeira essência, o caos da vida espiritual.  

     Os desejos que são concentrados no mundo físico, procedente dos sentimentos emocionais carregam em suas afeições o entendimento a morte. Causada pela não percepção da verdade, permitindo ao homem um apego com seu mundo exterior. Para aqueles que conseguiram se livrar dessa ignorância estaria ele livre de ser acompanhado pela morte.

     Os manas, buddi, ahamkrit e citta, são esses os instrumentos que Úaṅkara acredita que seriam funcional a liberação: “Manas pela razão de postular e duvidar; Buddhi devido à sua propriedade de chegar a um julgamento claro sobre os objetos; Ahamkrti surge do egoísmo [“eu”]; Citta, é assim chamado devido à sua propriedade de [relembrar] concentrar a mente em seu próprio interesse[17] (ÚAṄKARA, 1992, p. 46, afor. 95/96).

    Assim como os nossos sentidos: a visão; audição; tato; paladar nos envolve com o mundo externo, também existem meios dos quais nos levam a conhecer o nosso próprio Eu, onde seriamos moldado de maneira espontânea, despertando interesse em nós a fim de manter a nossa consciência em sintonia com a verdade.

 

 NUANCES DO CORPO SUTIL 

 

     O nosso corpo ao se revelar com o mundo externo figura impressões de um mundo real, manifestado por representações que de tais maneiras tornam perspicazes as alegorias ilusórias, capazes de criar, moldando esse corpo denso, séries de necessidades, aprisionando o homem as suas virtudes e vaidades. Ao encontro com esse mundo não real, ilusório, o homem, possuidor do corpo denso, aniquilado por uma decadência sutil, projeta-se ao niilismo (com o sentido de decadência) sabendo ele que sempre chegará ao fim da vida, mesmo assim luta por uma perfeição estética do seu corpo sem sucesso.

     Quando as pessoas dizem ter consciência de tudo sobre o que há na vida estariam elas submetendo-se a uma categoria ilusória, egoísta, comum a todos possuidores de desejos e afeições. Respectivamente esses homens passam a ter certeza que teriam domínio total sobre seu corpo, principalmente domínio por suas expressões, produzido pelo experimento de vários tipos de dores que foram se agravando pela ausência da verdade. Dores essas causadas em primeira instância pelo ato da não capacidade em que cada sujeito por categorias um tanto quanto ilusória se limitam ao alcance daquilo que ele almeja.

     Há pessoas que são impedidas em prosseguir nesse processo evolucionário por está presas aos julgamentos dos outros, isto devido ao apego em várias regras da natureza, variando dos princípios próprios do fanatismo religioso, aos princípios básicos não morais da vida.

    Anátema da felicidade do homem principiaria por esses julgamentos preliminares, na sua maioria traziam reações psicológicas da natureza humana, contrária ao conceito legal da vida. A nossa relação com o mundo no dia-a-dia levantaria a hipótese de que estamos vivos.

    Se perguntássemos a uma pessoa que nunca teve contato com os ensinamentos do Advaita Vedânta, se ela existe ou não no mundo, com certeza a sua resposta seria afirmativa. Como também a todos que, cuja consciência é presa ao mundo externo, e mesmo ter tido contatos com os Veda às respostas seria unânime: quem negaria a sua própria existência? O benefício ao equilíbrio social que acusaria uma pessoa está bem de saúde mental pode ser mantida a favor da resposta sobre essa pergunta. Sendo assim, estar vivo é respirar, é conhecer e se relacionar com o mundo e as coisas que nele existe.

     Ao contrário do corpo denso, sûkshma constitui-se de varias faculdades que possibilita ao homem, também, criar diversas barreiras ao “caminho” do encontro com a sua verdadeira essência, o seu próprio Eu. O maior recurso e a dádiva mais formidável em que todos esperam serem propícios ao homem encontrar o Eu, é a sua esfera do saber, do conhecer, seriam todos os órgãos sensoriais, explicitamente importantes ao dilema discutível travado na razão racional do homem.

     Úaṅkara levanta uma questão importante ao afirmar a sua posição contrária aos envoltórios causadores de dores e ilusões, talvez até mesmo ao se deparar com o caos que os corpos (sutil e denso) causariam aos os efeitos evolutivos do saber. Independente dos fatos: verdadeiro ou não, a posição que admite a afirmação de algo como ser (Real ou não real) pode ser condenado pela esteira da própria adhyâsa (lit. sobreposição)[18].

     Como é possível alguém afirmar a sua liberdade, sem que antes esse alguém não fosse influenciado pelo seu ego? Não estaria ele na “verdadeira” ilusão que lhe faz acreditar que é uma pessoa livre? Mas, como perceber o mundo interno ou externo sem ao seu alcance não tivéssemos essas partes que compõe os nossos corpos?

     Para solucionar questões dessa natureza o pensador Úaṅkara é fiel à tradição literária védica. Quanto mais mergulharmo-nos que dizem os antigos, mais fácil seria perceber essas nuances. A verdade do qual o pensador levanta em discussão ao Viveka não se encontra afastado de ninguém, o que vigora ao pensador é o não ir e o não voltar, das quais necessariamente elimina todos os caminhos “criados” impedindo ver ou encontrar o Eu.

     O não ir e o não voltar significa ficar no lugar de origem, ou seja, ser verdadeiro, idêntico ao principio do Eu, o atha (agora). Essa é a relação que comunga com Brahman, tudo procede desse Eu (Âtman), nada foi visto ou pensado por alguém. Incriado. Tudo aquilo que foi criado nasce de algo.

     Por tanto será preciso esclarecer que esse (agora) é o processo inicial de uma investigação a cerca de Brahman, mas esse processo não seja entendido de maneira introdutória, como algo que começa, e em seguida precisa ir mais adiante, até se chegar ao fim, ou seja, o sentido de “ir” e “voltar” não se separam são dois termos não duais para o pensador Úaṅkara.

     Termos que dependem do ângulo (estado emocional, psicológico e até contemplativo), do ser para que sejam dadas as interpretações sobre o mesmo. É neste sentido que o pensador acredita que haja um discernimento profundo dos termos, agora sim podemos dizer que: ao mundo dual “ir” é totalmente diferente de “voltar”, são dependentes de algo (começo “introdução”, meio e fim),para um mundo não dual os termos, sãos independentes, isto é, não tem começo, pois eles são o próprio começo, não tem meio, pois eles são o próprio meio e não tem fim, eles são infinitos.    

 



[1] Discriminação, distinção - separar a verdade da mentira, a realidade de mera aparência ou ilusão.

[2] Queremos esclarecer que essas ordens são equilibradas nas coordenadas lógicas. Por tanto, não cabe a nós, querer provar “cientificamente” essas, necessárias, sequências.

[3] Gulmini relembra a maneira de como a palavra “Brahman” era usado nos processos ritualísticos no período védico.

[4] O trabalho do qual nos referimos são as interpretações realizadas pelo filósofo de alguns textos védico.

[5] Obviamente que aqui estamos apenas em um conceito básico e lexiológico.

[6] Um dos livros que fazem parte das escrituras indianas, o filósofo Úaṅkara faz alguns comentários interpretativos desse livro upaniṣad.

[7] O filósofo Úaṅkara atribuiu a Brahman, que,cuja ideia é baseada na ligação do homem com a joia suprema da virtude humana a “alma”. A melhor maneira de compreendermos essa manifestação e aproximação divina, é através da prática e da construção da “doutrina” do próprio Eu.

 

[8] O controle permanente da mente.

[9] Literalmente esse termo quer dizer Casa, domesticar. Poderíamos entender como o próprio domínio ou ter propriamente. (MONIER-WILLIAN, 1997, p. 469).

[10] Cessação partindo do verbo cessar, parando e estando ausente do mundo exterior. (MONIER-WILLIAN, 1997, p. 204).

[11] O retorno aos órgãos sensoriais, depois de libera-lo dos objetos ilusórios (ÚAṄKARA, 1992, p. 38, afor. 18).

[12] MONIER-WILLIAN, 1997, p. 446.

[13] Veja uma imagem do pensador na página 09.

[14] Upa+ni+SAD= “aproximar-se, sentar-se próximo a alguém”. O termo Upaniṣad é um substantivo feminino e segundo a professora Lilian Gulmini: (...) toda relação de mestre-discípulo é o paradigma sobre o qual se constroem esses diálogos acerca de conceitos que apontam para uma ressignificação de termos como brahman... apresenta ao termo Upaniṣad dois sentidos interpretativos: (i) Pela aproximação do discípulo em respeito ao seu mestre e (ii) relativo às aproximações entre macrocosmo e microcosmo, ou entre Brâhman e âtman, o Absoluto e o si mesmo (GULMINI, 2007, p. 26). 

[15] Esclarecemos para esse exemplo que sabemos que o choque pode ser uma das causas da dor. Mas, vamos supostamente pensar que o choque e a dor são um sem segundo, por tanto choque e dor é a essência da dor=sofrimento.

[16] Para esse momento o que causa dor é a não verdade sobre a dor: as proteções das paredes. É nela que passamos a acreditar ser livre da dor, o choque nunca deixou de está, de existir e de ser.

[17] Na nota de explicação do próprio rodapé do livro “Viveka-cûḍâmaṇi – A joia suprema da sabedoria”, Azevedo apresenta uma explicação da relação desses sentidos no Vedânta. Vejamos qual: “Na vedânta, a mente como órgão interno (antahkarana), em seu aspecto global, é constituída por várias funções e, conforme sejam elas, a mente é denominada: buddhi, manas, citta ou ahamkara (ahamkrti). Buddhi é a inteligência, intelecto puro, a luz de consciência que ilumina as imagens mentais, a função determinante da verdade de algo”.

[18] Termo que serve como instrumentalização aos efeitos de avidyâ, que segundo Gulmini (2007, p.159) é o “véu” de ignorância de mâyâ, sobre os seres.

 

REFERÊNCIAS

 

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